terça-feira, 8 de maio de 2018

Conversas d'Ouvido com Marina Peralta

Entrevista com Marina Peralta, cantora e compositora brasileira, que balanceia entre a MPB e o reggae, alicerçado em fortes preocupações sociais, a música não se limita a ser ecoada, há uma mensagem que merece ser ouvida. Dispensa rótulos e assume-se "apenas", como uma cantora, contudo há um poder intrínseco na sua voz. Em 2016 editou o álbum "Agradece", num futuro próximo planeia a edição de um novo disco, enquanto esse dia não chega é altura de conhecermos melhor Marina Peralta, numa edição descontraída e ritmada das "Conversas d'Ouvido"... 


Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Marina Peralta: Ter uma família que apresente essa possibilidade é tão importante! Tive esse privilégio. Meus pais não são músicos, mas me levavam para assistir shows, colocavam os vinis pra tocar em casa, etc. Além disso, de criança até adolescente frequentei uma igreja que tinha muito envolvimento artístico. Apesar de eu não ter cantado muito por lá, foi meu primeiro palco naquelas apresentações temáticas de páscoa, natal, dia das mães. Foi lá que eu percebi que podia tocar as pessoas através da arte e mais pra frente entendi que a música era minha ferramenta número um.

Denotamos na tua música preocupações sociais e por vezes políticas, quais as questões que prendem actualmente a tua atenção/ preocupação?
São muitas. Sinto que não dá pra escolher uma só. Aliás acho que é um problema quando a gente não intersecciona (interliga, une) as pautas, porque elas estão todas ligadas umas às outras. Ser feminista e debater essa questão é fundamental porque me afeta diretamente. Mas preciso fazer o recorte racial, por exemplo, mesmo não sendo uma mulher negra. Entendendo que ser mulher e ser negra é ainda mais difícil nessa sociedade. Ser gorda dificulta mais. Ser lésbica, ser uma mulher indígena, ser pobre. Entende? A questão indígena mesmo é algo que eu me sinto na obrigação de debater nas músicas, pois moro num dos estados que mais mata indígenas no Brasil. 

Um dia afirmaste que o “feminismo te salvou”, sentes que o universo musical é sexista?
Tenho certeza que sim, como vários outros universos. O que me salvou foi compreender quem sou e ter força e coragem pra lutar pelo meu espaço, mesmo nesse meio sexista. Lutar pelo reconhecimento da minha arte independente da minha aparência, por exemplo. Reivindicar que minhas opiniões não precisem de aval de homens para serem válidas, que é o que acontece bastante nesse meio.
Conheces alguma coisa da música portuguesa?
Aiii...que eu me lembre não. Quero conhecer!

Como gostas de descrever o teu estilo musical?
Por muito tempo eu não gostei de descrever. Hoje, no meu projeto com banda, trabalhamos e estudamos a música reggae. Mas não gosto de me rotular “cantora de reggae”... sou cantora! Esse ano estou trabalhando outros projetos paralelos à banda, justamente pra mostrar pro mundo que canto e componho outras coisas também. Minhas primeiras influências quando criança foram o samba e a Música Popular Brasileira da época. Mas quando conheci o rap, o reggae...tive um encontro especial com essa linguagem..de identificação mesmo com tudo o que essa música representa. É assim que eu acho que melhor me comunico nesse momento da história!

Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
A arte é transformadora né ... tantas áreas e formas de fazer. Eu sempre gostei de dançar e também de trabalhos manuais, artesanatos, decoração (risos) Acho que a dança é uma grande paixão minha sim!

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
Pra além da paixão, a música é militância pra mim ... uma forma de comunicação que me sinto privilegiada por fazer uso. E sendo artista independente, autónoma, sinto a desvantagem da instabilidade financeira, pra viver, pra produzir, pra gravar ... inclusive por ser um trabalho posicionado politicamente também, o que vende menos. Mas ao mesmo tempo é satisfatório e libertador não ser pressionada por uma alienação de produção mas ser guiada pelo prazer de criar. Eu acredito muito no que fazemos.

Quais as tuas maiores influências musicais?
Minhas primeiras influências quando criança foram o samba e a Música Popular Brasileira da época. Mas quando conheci o rap, o reggae e todas as suas possibilidades...tive um encontro especial com essa linguagem ... de identificação mesmo com tudo o que essa música representa. É assim que eu acho que melhor me comunico nesse momento da história! Mas eu ouço de (quase) tudo!

Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Prefiro vinil! Mas ouvi muito mp3 e hoje em dia descobri as plataformas de streaming, como Spotify etc. e tenho usado bastante!

Qual o disco da tua vida?
Uau! Pergunta difícil...parece que a vida é marcada por discos (risos) Mas olha ... o "Preço Curto... Prazo Longo" da banda Charlie Brown Jr. marcou muito a minha adolescência nas ruas, aquela fase de querer sair pro mundo. Acabou ampliando meus horizontes pro rap e depois pra música reggae, essa coisa da militância, mudar o mundo. O "Dia Após Dia Lutando" da banda Ponto de Equilíbrio me afetou demais nesse sentido também...além da espiritualidade forte.

Qual o último disco que te deixou maravilhado?
  • "A Mulher do Fim do Mundo" - Elza Soares (Muita força, muita representatividade!)
  • "Stony Hill" – Damian Marley
  • "Um Corpo no Mundo" – Luedji Luna
O que andas a ouvir de momento/Qual a tua mais recente descoberta musical?
Reggae music all the time! Música brasileira: Ceumar, Mariana Aydar, Chico Science e Nação Zumbi. Recentemente descobri a Fatoumata Diawara, que mora em França mas é da Costa do Marfim. E a última que estou apaixonada é Luedji Luna com o disco "Um Corpo no Mundo", aqui do Brasil também.

Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Nunca passei por nada muito desagradável nos shows. Mas já tive muito enjoo durante uma apresentação em que eu estava grávida. Fiquei dançando e sem cantar meio até passar.

Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Já que pode sonhar, imagina cantar com a Lauryn Hill? Não sei nem se eu conseguiria soltar a voz (risos)

Para quem gostarias de abrir um concerto?
Pra ela mesma! Pra Bob e The Wailers também seria máximo!

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Rototom Sunsplash - o maior festival de reggae do mundo!

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
Ms. Lauryn Hill

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Eu gostaria muito de ter visto um show do Bob Marley & The Wailers.

Projectos para o futuro?
Pretendo lançar um novo disco ainda em 2018 e estou trabalhando como posso pra isso. A ideia é achar uma forma de financiá-lo, que ainda não tenho (risos). Fora isso, quero lançar um EP com músicas minhas “lado B” que nunca joguei pro mundo. Quero rodar o mundo, fazer parcerias com quem me identifico e conhecer vocês pessoalmente (risos)

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
Você sente que as pessoas mudaram a forma de se relacionar com você depois que sua visibilidade aumentou? Se sente mais cobrada por se posicionar politicamente?
R: Poucas pessoas se preocuparam em como essas mudanças me afetaram. Com certeza eu senti e ainda sinto certo afastamento... aliado à cobrança – seletiva - das pessoas. A sensação de estar sendo vista e avaliada, que em partes pode ser cobrança pessoal, mas acredito que vem de quem está de olho também. Mas hoje sei que isso é resultado das minhas escolhas e eu tenho orgulho delas. Posicionamentos políticos que faço questão de defender, até porque eu sei que não seria feliz se não usasse essas oportunidades para ecoá-los. Só não quero que esqueçam que sou humana... estou passiva (constantemente) de erros – e eu mesma tenho que me lembrar disso para viver bem. No mais... o trabalho é resultado de um acúmulo pessoal, mas muito mais coletivo do qual temos que saber aproveitar sendo verdadeiros conosco e com o mundo. Sinceridade é a chave e cada um contribui como pode.

Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
"I Gotta Find Peace of Mind" – Lauryn Hill

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.

Terminamos ao som de Marina Peralta e do single "Ela Encanta", que transporta consigo, o poder do feminismo.

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