quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Conversas d'Ouvido com Não Não-Eu

Entrevista com a banda brasileira Não Não-Eu, trio proveniente de Belo Horizonte, composto por Pâmilla Vilas Boas (voz, guitarra, sintetizadores), Cláudio Valentim (baixo, sintetizadores) e Thiago Carvalho (bateria). Os Não Não-Eu navegam nas águas agitadas do indie-rock e da electrónica com nuances de experimentalismo. Entre as maiores influências encontramos os nomes de Elza Soares, Céu, Childish Gambino e Beach House. Este ano lançaram o disco homónimo de estreia e aterram finalmente no Ouvido Alternativo, para mais uma edição das "Conversas d'Ouvido"...

Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Pâmilla Vilas Boas (PVB): Eu não cresci num ambiente muito musical. Meus pais não ouviam música e eu não tive muito acesso, escutava mais o que estava passando na rádio. Na adolescência conheci diversas bandas de rock e a partir de então passei a conviver com pessoas que compartilhavam desse universo. Comecei a escutar clássicos do rock como David Bowie e passei a musicar minhas poesias. Quis ter uma guitarra e foi um processo árduo, eu era a única mulher da cidade a ter uma. Eu fugia de casa para ensaiar com os meninos e acho que essa história me marca até hoje. Minha paixão pela música vem da possibilidade de me expressar, de criar e materializar minhas composições e eu não consigo fugir disso.

Como surgiu o nome Não Não-Eu?
PVB: Não Não-Eu é um termo de Richard Schechner, professor de estudos da performance, autor que eu conheci durante minha pesquisa de mestrado sobre música, performance e representação. Esse termo me chamou muita atenção por se tratar, dessa relação entre o que somos e o que representamos. Um bom performer ou ator não é aquele que se torna o personagem que interpreta, mas sim aquele que entrega suas faculdades ao personagem, ou seja, aquele que percebe a distância entre ele e sua representação. Levando isso para a vida é um pouco esse jogo entre os papéis sociais e nossa essência, ou seja, o que revelamos e escondemos.



O vosso single “Chão” retrata a opressão e a libertação feminina, acreditam que ainda há sexismo no universo musical?
PVB: Acho que o mercado musical ainda opta por uma visão eminentemente masculina da realidade. Em tese, nós mulheres deveríamos satisfazer essa visão. Mas as coisas mudaram, e nós temos a necessidade de expressar nossas subjetividades. O presente é feminino, o que reflete uma busca por visões mais plurais sobre o mundo.

É verdade que tens um caderno de poesias? Algum dia essas poesias irão transformar-se em músicas?
PVB: É verdade... é um caderno que eu escondo há mais de 15 anos. Algumas poesias já viraram música e nesse momento de me assumir como compositora quero musicar ainda mais poemas. Quero lançar muito coisa, compensar esses anos de “reclusão”.

Como gostam de descrever o vosso estilo musical?
PVB: A gente costuma chamar de indie eletrônico, mas sempre é difícil rotular um som.
Cláudio Valentim (CV): No geral temos muita influência de minimal wave, synthpop e chillwave... Isso misturado com a musicalidade brasileira.

Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
PVB: Acho que a Antropologia. Cláudio atua muito nas Artes Visuais também.

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
PVB: A maior vantagem é poder se expressar a partir da música e outras linguagens que se relacionam, a música abarca um universo estético muito diverso, poder se conectar e estabelecer relações também é algo muito incrível.
CV: Acho que a desvantagem tem a ver com aspectos financeiros e de poder viabilizar desejos e a ansiedade que isso gera, as coisas nunca caminham na velocidade da criatividade de um músico (risos).

Quais as vossas maiores influências musicais?
PVB: Dos brasileiros Lucas Santtana, Céu, Metá Metá, Lira, Elza Soares e outras bandas novas que são incríveis Papisa, Musa Híbrida, Retrigger (que nos ajudou a produzir a faixa "Chão").
CV: Sobre música estrangeira escutamos muito Childish Gambino, Boy Harsher, Part Time, Toro y Moi, Ariel Pink, Beach House e uma galera do eletrônico, Burial, Clams Casino, Yaeji, Sofi Tukker e etc...

Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
PVB: No dia a dia acaba sendo em streaming. Mas amo viníl.

Qual o disco da tua vida?
PVB: Que pergunta difícil... Acho que o “Rid of Me”, da PJ Harvey.

Qual o último disco que vos deixou maravilhados?
PVB: “Avante”, do músico Siba.
CV: Acho que o EP “Is The Meat That Fell Out” da banda Stove – acho muito bonito e barulhento, com muitas nuances melódicas na composição.
Thiago Carvalho (TC): O homônimo do Bosnian Rainbows e o “Ratsliveonnoevilstar”, da St. Vincent.

O que andam a ouvir de momento/Qual a vossa mais recente descoberta musical?
PVB: Fiquei maravilhada com o trabalho do finlandês Jaakko Eino Kalevi.
CV: A coreana Yaeji, a música dela me soa como se uma pessoa sussurrasse em um clube lotado.
TC: Le Butcherettes e BadBadNotGood

Com que músico/banda gostariam de efectuar um dueto/parceria?
PVB: Acho que se tivessemos a oportunidade de fazer uma parceria com o Lucas Santtana, seria incrível. Gosto muito da forma que ele trabalha com a música brasileira ligada a tantas influências eletrônicas.

Para quem gostarias de abrir um concerto?
PVB: Seria um sonho abrir um show do Boy Harsher.

Em que palco (nacional ou internacional) gostariam um dia de actuar?
PVB: A gente gosta muito de dois festivais que acontecem em Portugal, o Primavera Sound, no Porto e o Entremuralhas. Seria um sonho nos apresentar.

Qual o melhor concerto a que já assistiram?
PVB: Sonic Youth em São Paulo (2011)
CV: A turnê do George Clinton com P-Funk All Stars e a dupla Black Star que passou por São Paulo em 2013.

Que artista ou banda gostavam de ver ao vivo e ainda não tiveram oportunidade?
PVB: Se estivesse vivo, David Bowie.
CV: Mesma resposta, David Bowie.

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
PVB: Radiohead e Kraftwerk em 2009.

Tens algum guilty pleasure musical?
PVB: "Please Don’t Go" – Double You. Esta música diverte-me de verdade, os loopings do vocal repetindo “não se vá, não se vá”, não me deixa parar de dançar! (risos)

Projectos para o futuro?
PVB: Uma turnê para a Europa que planejamos para Agosto de 2018, e o lançamento de um novo EP assim que tivermos fôlego.

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
PVB: Esta pergunta é muito difícil (risos).

Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?
PVB: Velvet Underground - "Hero In" – por causa da forma que eles conseguiram trabalhar com as dissonâncias em harmonia com a voz, trazendo uma questão muito visceral e humana.

Que música gostariam que tocasse no vosso funeral?
PVB: Clams Casino – "I'm God".
CV: Portishead – "The Rip".

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.

Ficamos agora ao som do disco homónimo de estreia, editado este ano e que se encontra disponível para escuta e download gratuito, através da plataforma Bandcamp.

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