quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Conversas d'Ouvido com Canto Cego


Entrevista com a banda brasileira Canto Cego, quarteto composto por Roberta Dittz (voz), Ruth Rosa (bateria), Rodrigo Solidade (guitarra) e Magrão (baixo). Formaram-se em 2010, dois anos depois, venceram o Festival da Nova Música Brasileira, em 2014 conquistaram o primeiro prémio no Festival Planeta Rock e o futuro antecipava-se cada vez mais risonho. Em 2015, subiram ao palco do mítico Festival de Jazz de Montreux, no ano passado editaram o debut "Valente" em 2017 é a vez de chegarem ao Ouvido Alternativo para mais uma edição das "Conversas d'Ouvido".... 

Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Roberta Dittz (RD): Acredito que o brasileiro já cresce com uma paixão natural pela música, pelo menos, pra gente foi assim. A música está por todo lado e é parte da nossa identidade. Quando criança ou adolescente todos temos um ídolo musical uma música que nos motive a crescer. É difícil pontuar exatamente como foi. Mas, por exemplo, o pai do Rodrigo é guitarrista e sempre influenciou ele de alguma forma. Meus pais sempre ouviram muita música brasileira em casa. O Magrão nos fala que desde criança ficava assistindo todos os shows que passavam na TV e a Ruth também cresceu com uma identificação muito forte que veio das aulas de música na igreja, onde se destacava.

Como surgiu o nome Canto Cego?
RD: O nome surgiu no primeiro ano da banda. Ensaiávamos na Favela da Maré em 2010, na mesma época a comunidade estava sendo cercada por tapumes de proteção acústica, o que basicamente criava um muro entre a favela e o resto da cidade, e também a escondia. Ficamos pensando um nome que expressasse essa situação: viver em uma cidade que nos cerca e nos esconde. E encontramos o nome "Canto Cego" a partir de uma relação com a poesia também. Canto Cego pode ter muitas interpretações e isso contou muito na hora de escolher.

Têm uma versão do clássico “Zé do Caroço”, que outro lado das favelas é que desconhecemos?
RD: Existe a violência o tráfico sim, mas a maior parte da população nas favelas não participa disso. O dia a dia nada mais é do que pessoas trabalhando, levando seus filhos pra escola, produzindo, criando e sendo felizes. Isso a mídia de maneira geral não mostra. E se você nunca foi ou frequentou uma favela fica com a impressão que é um lugar terrível, e não é.

A vossa música parece ser muito mais que uma sonoridade, transporta alguma mensagem social inerente, quais as vossas maiores preocupações com o mundo que vos rodeia?
RD: A gente se preocupa que as pessoas não caiam no piloto automático e se anestesiem. E que queiram se sentir parte de um coletivo. A ideia da nossa sonoridade é justamente gerar um impulso, um choque, um alvoroço e despertar alguma vontade de fazer o mundo valer a pena.

Como gostam de descrever o vosso estilo musical?
RD: Gostamos de descrever como "Rock e Poesia", por termos uma pegada teatral e de performance incluindo poesias entre as músicas nos nossos shows.

Para além da música, têm mais alguma grande paixão?
RD: Na banda de uma maneira geral fica explícita uma paixão pela poesia. Porque além do som e das melodias nos preocupamos muito em expressar uma identidade nas letras. Mas cada um de nós leva muitas paixões particulares: cinema, história, veterinária, tatuagem, artes visuais, teatro!

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
RD: A vantagem acredito que seja a liberdade, poder redescobrir formatos e modelo de fazer música, se reinventar a qualquer momento. E a desvantagem é ter um mercado ainda pouco reconhecido no Brasil e muitas vezes ser difícil levar um trabalho mais completo pro nosso público.

Quais as vossas maiores influências musicais?
RD: Tem de tudo um pouco na banda, entre elas: Nação Zumbi, Queens of the Stone Age, Lenine, Radiohead, Janis Joplin, Elis Regina, Nina Simone, Jessie J, Rihanna, Jimi Hendrix e Nirvana.

Como preferem ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
RD: Ultimamente ouvimos muito mais em streaming, mas no carro e viajando ouvimos bastante CD's que ganhamos de bandas independentes.

Qual o disco da vossa vida?
Rodrigo Solidade (RS): "In Utero", Nirvana.
RD: Um deles é o "BE" do Pain of Salvation.
Magrão (M): "Ten" do Pearl Jam.
Ruth Rosa (RR): "AM", Artic Monkeys.

Qual o último disco que vos deixou maravilhados?
RD: Ouvimos muito "Sound & Color" do Alabama Shakes, juntos. Os timbres de guitarra a voz é tudo muito envolvente. O disco mais recente da Elza Soares "Mulher do Fim do Mundo" é uma catarse pra mim, e o "Encarnado" da Juçara Marçal.

O que andas a ouvir de momento/Qual a tua mais recente descoberta musical?
RD: Aurora,
M: The Delta Saints,
RS: Rincon Sapiência,
RR: Tame Impala.

Qual a situação mais embaraçosa que já vos aconteceu num concerto?
RD: Uma das mais estranhas foi quando não deixaram a gente tocar porque não levamos uma lista de convidados, estávamos fazendo uma sequência de shows intensa e não deu tempo de preparar a lista. Também já aconteceu, tocarmos duas músicas porque o tempo de evento acabou e a gente viajou horas pra chegar na cidade.

Com que músico/banda gostariam de efectuar um dueto/parceria?
RD: Seriam muitas! Lenine, Arnaldo Antunes, Lirinha, Margareth Menezes, Marisa Monte, Kiko Dinucci, BNegão, Falcão (O Rappa), Alceu Valença, Zé Ramalho.

Para quem gostariam de abrir um concerto?
RD: Nação Zumbi, BaianaSystem, Metá Metá, Elza Soares, Novos Baianos.

Em que palco (nacional ou internacional) gostariam um dia de actuar?
RD: Tocamos em 2015 no Montreux Jazz Festival, o que foi realmente um sonho realizado. Mas queremos muito tocar em outros palcos como o: SXSW, Lollapalooza, Glastonbury Festival, Psicodália, Festival DoSol, Festival MADA, Paléo Festival, Primavera Sound, João Rock, Fundição Progresso, MIDEM, WOMEX… infinitos!

Qual o melhor concerto a que já assistiram?
RD: O último mais marcante pra mim foi o da Elza Soares. Também, há alguns dias assistimos o Supercombo e ficamos maravilhados.
RR: Nando Reis na Fundição Progresso em 2015.

Que artista ou banda gostavam de ver ao vivo e ainda não tiveram oportunidade?
RS: São vários, mas podemos destacar Francisco, el Hombre, Jack White e Alabama Shakes.

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de terem nascido) em que gostariam de terem estado presentes?
RS: Queen no estádio de Wembley, Paralamas do Sucesso no Rock in Rio I.
RD: Claro que o Woodstock!!

Têm algum guilty pleasure musical?
RS: Isso é muito relativo. O que é muito bom para uns, pode soar besteira para outros. Acho que não temos um guilty pleasure. Ou vai ver temos e não sabemos da má fama dele. (risos)
RD: A gente tenta abrir a cabeça pra não ter preconceitos na música. A Ruth gosta bastante de sertanejo, pagode, funk e no início a gente achava engraçado e tal. Mas agora a gente ouve, discute e assimila o que agrada ou não. Estamos mudando nossa visão sobre as músicas.

Projectos para o futuro?
Estudar mais nossas referências, compor, e continuar circulando pelo Brasil e fora, quando possível!

Que pergunta gostariam que vos fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
RD: Muito difícil dizer.

Que música de outro artista, gostariam que tivesse sido composta por vocês?
RS: Nós temos a nossa versão para a canção "Zé do Caroço", da Leci Brandão. O discurso contido na letra é algo em que realmente acreditamos e tem um link muito forte com a mensagem que passamos em nossas músicas. Se fosse para escolher uma, seria essa.

Que música gostariam que tocasse no vosso funeral?
RS: Melhor não pensarmos nisso, por enquanto. (risos)
RD: Nunca pensei nisso. Não sei mesmo.
RR: Espero que nenhuma!

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
Ficamos agora ao som dos Canto Cego e do disco, Valente, editado em 2016

2 comentários: