domingo, 15 de outubro de 2017

Conversas d'Ouvido com Tio Rex

Entrevista com Tio Rex, projecto do cantor e compositor Miguel Reis. Tio Rex é um verdadeiro poeta musical, munido de uma guitarra e uma voz grave, que pincela com apontamentos de folk. Proveniente de Setúbal, estreou-se em 2012 com o EP homónimo de estreia, na sua discografia conta já com três EP's e dois álbuns. Esta edição das "Conversas d'Ouvido", vem com um manual de instruções, assim em primeiro lugar devem ler a entrevista, mas de seguida têm obrigatoriamente que ouvir a música de Tio Rex, um nome fascinante que merece ser descoberto...


Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Tio Rex: Acho que sempre gostei de música.. Em miúdo, sem saber falar inglês (provavelmente nem português como deve ser) já era apanhado pelos meus pais a balbuciar o “nó, nó, nókinon evanóóó” do Dylan. Na adolescência tive a fase emo e comecei a ir aos primeiros concertos de hardcore e metalcore com amigos e colegas de turma - géneros que viram uma forte corrente de bandas nacionais despontar em Setúbal no início do novo milénio e onde tive o primeiro contacto regular com a cena ao vivo, o palco, os artistas e o público.
Contudo, aquilo que me fez começar a fazer música (por volta de 2010), foi a descoberta da mesma como uma forma de expressão pessoal, que me permitia perceber as fases emocionais pelas quais ia passando, o que é que me magoava e/ou revoltava, e daí para a frente deixei de a ver tanto como algo que consumia, mas antes como algo que passou a fazer intrinsecamente parte da minha existência. Nesse sentido, a música permitia-me libertar as coisas que me atormentavam, em vez de dar em doido a deprimir com os pensamentos e sentimentos fechados dentro de mim, a não produzirem mais do que ansiedades e neuroses. Acho que acabou por se tornar um coping mechanism para lidar com a vida.

Como surgiu o nome Tio Rex?
Era o meu nick no myspace, e veio de uma brincadeira parva que, explicada ao pormenor, não passa exactamente disso (risos).
Tio Rex - "Ensaio Sobre a Harmonia"
Os teus discos costumam ter um forte cunho pessoal, com uma beleza assinalável, um bom exemplo é a edição física de “Ensaio Sobre a Harmonia”, para ti o objecto físico ainda se reveste de importância e é um complemento da música que ele apresenta?
Sem dúvida. Acho que nesta era digital tendemos a tomar muita coisa como garantida e a não dar tanto valor aquilo que não é físico. Tal como a pintura, se gostares realmente de apreciar esse tipo de arte, não é nas imagens do google que o vais fazer. Se calhar sou eu que não consigo digerir esta cena de ouvires música nos canais de streaming como quem experimenta um iogurte novo durante uma semana ou duas, mas para mim ainda existe uma certa magia no parar para ouvir um disco todo de princípio ao fim com a edição física na mão, a acompanhar as letras ou a apreciar o artwork.

Como gostas de descrever o teu estilo musical?
Nunca sei bem o que responder quando me perguntam isso. Acho que cabe mais a quem ouve, se quiser, categorizar o que ouve num “género” ou topar as influências. Para mim, e como é tão pessoal, é Tio Rex (ou Miguel Reis), mas como essa resposta é geralmente vista com olhos de desconfiança, tendo a puxar a carta da poesia/folk.

Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
Gosto imenso de cinema e graphic novels.

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
Vantagem: para além obviamente da parte que envolve viajar, conhecer novos sítios e pessoas e fazer novos amigos virtualmente onde quer que se vá, se a coisa correr bem, tocares o coração de alguém com algo que tu criaste é algo de extraordinariamente gratificante.
Desvantagem: a indústria musical não está na sua fundação assente nesses valores, e quando topas que os canais de distribuição, os slots em salas, concertos e festivais, são um tanto ou quanto manipulados em função de outros interesses, pode tornar-se frustrante lutares contra forças que não se vêem mas que existem. A moral aqui talvez seja um bocado a de que não é difícil marcar concertos. É difícil marcar bons concertos e com boas condições.

Quais as tuas maiores influências musicais?
Acho que sou produto do cruzamento da música do tempo dos meus pais, que alberga os cantautores e a canção de intervenção dos anos 50, 60 e 70, tanto portuguesa como brasileira e anglo-saxónica, com a tal fase emo da minha adolescência, onde descobri e de certa maneira estudei muitas das minhas bandas contemporâneas de eleição, como mewithoutYou, para dar um exemplo.

Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Em termos de fidelidade sonora e nostalgia, sem dúvida, o vinil. Mas, apesar de ainda ter passado bons tempos em miúdo a gravar cassetes com malhas da rádio para ouvir no walkman, acho que o formato que esteve e continua a estar mais presente na minha geração é sem dúvida o Cd.

Qual o disco da tua vida?
Acho que não tenho um só que mereça tal distinção.

Qual o último disco que te deixou maravilhado?
68’ - In Humor and Sadness

O que andas a ouvir de momento/Qual a tua mais recente descoberta musical?
Não são propriamente descobertas porque já acompanho o trabalho deles há algum tempo, mas os discos deste ano de He is Legend e do Benjamin Clementine são discos incríveis.

Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Deixar cair e por consequência, rachar uma guitarra nova, quando estava prestes a entrar em palco para a estrear.

Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Com quem queira genuinamente fazer um dueto ou parceria comigo :) desde que haja bom gosto, estou aberto a todo o tipo de aventuras desse género.

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Cá dentro, no Tivoli. Gosto muito da sala para concertos mais íntimos. Lá fora, qualquer palco do SXSW ou, melhor ainda, no anfiteatro Red Rocks.

Qual o melhor concerto a que já assististe?
Muito provavelmente o Cohen no Pavilhão Atlântico.

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
Sufjan Stevens.

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Clássico: Woodstock 69’.

Tens algum guilty pleasure musical?
Não sinto que seja guilty, mas há muita malta que não curte do Kanye. Eu curto!

Projectos para o futuro?
Estou a produzir o meu próximo EP, e com mais 2 discos de outros projectos na calha. Daí para a frente é continuar a fazer e lançar discos :P

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
Talvez alguma coisa específica sobre alguma canção, ou letra. Gosto de debater interpretações das canções e topar como quem está de fora as descortina.

Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?
"Smile" - Charlie Chaplin

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
Tio Rex - "O Que o Tempo Destrói"

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
Obrigado eu! Abraços

Ficamos agora ao som do álbum, Ensaio Sobre a Harmonia, que se encontra disponível para escuta através da plataforma Bandcamp.

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