quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Conversas d'Ouvido com Barba Ruiva


Entrevista com a banda brasileira Barba Ruiva, que nos propõem um rock de autor com uma mescla de influências que vão desde o jazz ao blues, passando pelo psicadélico. Os Barba Ruiva são Aline Vivas (bateria, voz), Leonardo de Castro (baixo, voz) e Rafael Figueira (voz, guitarra). Juntos há doze anos, fizeram da estrada a sua segunda casa, durante este tempo foram amadurecendo a nível pessoal e musical, este processo irá culminar com a edição do tão aguardado disco de estreia. Antecipando o lançamento do álbum percorremos mais de 7000 km para vos apresentarmos a mais recente edição das "Conversas d'Ouvido"...

Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Rafael Figueira (RF): Quando eu tinha 8 anos, meu avô materno morreu. Depois desse acontecimento, acabei “descobrindo” seus dois violões e suas coleções de LP's de música clássica, e a partir de então, não larguei mais o violão nem os discos. Comecei a aprender intuitivamente a tocar instrumentos.
Aline Vivas (AV): Amo música desde que morei na barriga da minha mãe. Tenho uma memória corporal mesmo de ter escutado muito Beatles por lá. (risos) Quando bem pequena, por volta dos 5 anos de idade, minha brincadeira preferida era colocar discos na vitrola. Adorava posicionar a agulha no vinil. Adorava ver que aquelas ranhuras produziam som de alguma forma misteriosa. Ouvia muito Dire Straits, Milton Nascimento, Michael Jackson... Me lembro também de ficar batucando e cantarolando na escola, quando a aula estava chata. (risos) Também devo muito do amor à música, à minha avó, descendente de italianos, adorava cantar.
Leonardo de Castro (LC): A mais antiga lembrança que tenho de paixão pela música é a imagem do meu avô materno ouvindo música clássica no seu quarto de música. Era um quarto na casa deles, na Tijuca [bairro do Rio de Janeiro], parecia um palácio aquele apartamento, com carpete, jardim de inverno. Esse quarto tinha uma aparelhagem de som ótima e muitos discos de música erudita. Início dos anos 80. Eu devia ter uns 5 anos e já pegava aquelas capas maravilhosas pra dar uma olhada. Nesse quarto abrigava pelo menos dois violões de nylon, que eu gostava de desafinar, apesar do vovô ser médico. Infelizmente, se perderam com o tempo. Sempre amei, mas depois de tudo, me reencontrei ouvindo The Smiths, Bob and the Wailers, Ira! e Barão Vermelho.

Como surgiu o nome Barba Ruiva?
RF: Após muitos “brainstorms” para achar o nome ideal, um dia percebi que estavam crescendo fios ruivos de barba e, por algum motivo, quando falei “barba ruiva”, pensei que era um ótimo nome de banda. Forte, musical, fácil e divertido. O martelo estava batido.
AV: Por volta de 2001, quando decidimos montar a banda, conversávamos o tempo todo sobre como ela seria. Os nomes que surgiam eram muito engraçados. Bobos mesmo. Aí em certo momento, alguém comentou que o Rafael tinha barba ruiva e aí deu essa ideia de nome p'ra banda. Depois dessa, nunca mais esse nome saiu da nossa cabeça e dos nossos corações. Acho que rolou mesmo uma “fixação” por esse nome.
LC: Eu lembro que num brainstorm da vida, percebemos que o Rafael tinha BARBA RUIVA, e pouco tempo depois, a minha barba começou a crescer, também RUIVA.

Preparam-se para editar o vosso debut, já podem antecipar algo, sobre o que podemos esperar?
RF: Como já temos a banda com essa formação há cerca de 12 anos, também temos bastante estrada. Ao longo desses anos acontece uma seleção natural de repertório, e foi mais ou menos isso que aconteceu quando gravamos esse álbum. Resolvemos gravar as músicas que achávamos mais “maduras”, as que estavam mais arranjadas. Isso resultou num álbum eclético, dentro do conceito de Rock, o que também é bom, pois não nos agarramos em uma maneira engessada de fazer música.
AV: Depois do clipe de "Sonho do Sonho" e do lyric vídeo de "Just Fuck", estamos por lançar o clipe para o terceiro single, chamado “Filmes”. Em breve, ainda nesse semestre, lançaremos o álbum completo nas plataformas de streaming.
LC: Esse álbum é o retrato de muitos anos de trabalho. Ele é visceral como nossa alma. Expurga em forma de música muito do que temos p'ra falar. E Ainda tem muito mais dentro do peito.

Como gostam de descrever o vosso estilo musical?
RF: Meu estilo musical é uma consequência de tudo o que absorvi na vida, expressado em forma de música, então tenho dificuldade de citar um estilo já existente. Gosto de dizer que é “estilo próprio”, apesar de ser um “apanhado” de coisas já existentes, (re)processadas por mim.
AV: O Leo, nosso baixista, costuma dizer que nosso som é rock bluesado jazzístico, seja lá o que isso for, parece uma mistura de ritmos num liquidificador sonoro. Me sinto bem orgulhosa da minha banda com essa descrição. (risos)
LC: Não consigo definir, mas é rock'n'roll pela atitude despretensiosa ao ser criado, e MPB [Música Popular Brasileira] por ser uma música p'ra todos, vindo de gente brasileira que sofre desses males da cidade e se energiza com os pés na grama.

Ao ouvirmos o vosso single “Sonho do Sonho”, denotamos uma preocupação lírica, que mensagem querem transmitir através da vossa música?
RF: O lirismo da canção é despretensioso. Não tenho pretensão de transmitir mensagens, ou passar verdades nas minhas composições. O que faço é expressar minha subjetividade e, se isso por acaso transmite alguma mensagem, fico feliz. Me sinto realizado por fazer isso naturalmente. A canção "Sonho do Sonho" é um convite à subjetividade, ao questionamento da realidade. A ideia do ser duplo, de diferentes “camadas” de realidades, estados de consciência... Não entrego uma mensagem pronta, mas sim um convite a estar atento a si mesmo, ao universo e à ideia de que o “si mesmo” é o próprio universo em si.
AV: Nós gostamos de compor com base em poesias nossas. Escolhemos uma que dialogue com a música que surge na ideia e aí tudo flui. Gostamos de falar sobre liberdade, questões atemporais do ser humano ou coisas do dia-a-dia e reflexões, às vezes com boas pitadas de humor.

Para além da música, têm mais alguma grande paixão?
RF: Gosto muito de futebol e de estar no meio da natureza.
AV: Além da música, amo dança, gastronomia e cinema.

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
RF: A vantagem é que o ofício é prazeroso e o músico gosta do que faz, senão ele não o faria. Poder viver disso, viajar, conhecer lugares, ter experiências enriquecedoras, é o sonho de qualquer músico. A maior parte dos músicos e artistas em geral vive muito mal, financeiramente, e essa é a desvantagem maior, na minha opinião.
AV: Desvantagem: O sustento de um músico é um tabu, às vezes é complicado descobrir de onde vem o dinheiro. É um enigma que a maioria não consegue decifrar. Temos quase que aprender a viver somente de luz do sol. É o obstáculo principal para realizar esse trabalho justamente não ser tratado como um trabalho digno. Muitas vezes somos tratados como vagabundos porque escolhemos essa profissão e ainda não somos famosos. E para haver música no mundo, o mais importante é essa produção dos pequenos artistas, pois são eles que renovam, trazem frescor, variedade.
Vantagem: Estamos preparando nossa obra no mundo. Meu trabalho realmente me importa como ser humano, emocionalmente, espiritualmente, psicologicamente. Ele me fortalece a alma. Assim como me fortalece, sei que algumas pessoas se identificarão com essas mensagens e melodias e harmonias, e essa energia fará bem a elas, assim como me fizeram tão bem ouvir as músicas que outras pessoas fizeram e ficarão aí para a eternidade. Tenho a impressão de que a música nos salva de uma existência vazia. Acredito que ela é a comunicação entre o que há dentro de si com o que há fora.

Quais as vossas maiores influências musicais?
RF: Tenho influências desde o samba até o heavy metal, pois sempre estive atento a todo tipo de som que eu ouvia. As influências musicais se desenvolvem junto com o ser social e o ambiente. Na infância o que tocava na minha casa era o que meus pais colocavam. Como eles tinham gosto eclético, acabei me influenciando positivamente. Era Djavan, Chico Buarque, George Benson, Led Zeppelin, Tracy Chapman, Pink Floyd, Michael Jackson… Depois fui tateando, experimentando outras coisas. Tive a fase do funk, do pagode, do rap, mas sempre tive o espírito rock and roll e foi o rock que me motivou mais a seguir como músico. Na adolescência, o gosto pela guitarra veio com Guns N' Roses, Metallica, Iron Maiden, Nirvana… mais tarde me apaixonei pelo universo do Bob Marley. Já com meus vinte e poucos anos descobri o jazz, a música instrumental... Enfim, um universo de influências, mas não consigo definir um caminho muito linear.
AV: The Smiths, Nirvana, Cazuza, Elis Regina, Edu Lobo, Michael Jackson, Milton Nascimento, Nina Simone, Frank Sinatra, The Doors, Beatles, etc.

Como preferem ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
RF: Confesso que sou preguiçoso p'ra ouvir música. Hoje em dia prefiro o streaming, que é o jeito mais acessível e rápido.
AV: Vinil. O som é mais gostoso e também dá mais alegria de pegar nos encartes.

O streaming está a “matar” ou a “salvar” a música?
RF: P'ra mim, está a salvar, pois facilita muito o acesso a novos sons, novos artistas, e isso é o que tem mais me motivado, ultimamente, a ouvir música. Não gosto da ideia de puritanismo, ou da “elitização” do acesso à música. Quanto mais pessoas puderem ter acesso a mais conhecimento, melhor.
AV: Salvar. É a solução para esse limbo que rolou na indústria fonográfica nos últimos anos.

Qual o disco da vossa vida?
RF: Não consigo definir um disco. Poderia citar alguns que me venham à cabeça agora: Thriller (Michael Jackson), Catch a Fire (Bob Marley), Kind of Blue (Miles Davis), Maior Abandonado (Barão Vermelho), Apettite for Destruction (Guns N' Roses), The Smiths (The Smiths) e a lista segue…
AV: Clube da Esquina, de Milton Nascimento e Lô Borges.
LC: Bitches Brew - Miles Davis

Qual o último disco que vos deixou maravilhados?
RF: Pelo conjunto do álbum, o último que fiquei ouvindo direto foi Desire, do Bob Dylan. Adoro esse disco.
AV: O Louco, do Água Viva
LC: Santana - Abraxas

O que andam a ouvir de momento/Qual a vossa mais recente descoberta musical?
RF: Minha mais recente descoberta musical foram as playlists de streaming. Agora nem sei mais o artista, eu deixo no shuffle, e o bom é que ouço bastante coisa nova. Só não tenho mais seguido um ou outro artista em específico e o lado ruim é que acabo não me debruçando sobre uma obra específica. Qualquer hora dessas alguma coisa me prende.
AV: Taranta e Gabriel Geszti
LC: Tenho ouvido muito BARBA RUIVA (risos) E tenho ouvido bastante Fela Kuti. Gosto sempre de ouvir fados e música rural brasileira… tipo Quinteto Armorial, Xangai. Hermeto [Pascoal] e Motown também.

Qual a situação mais embaraçosa que já vos aconteceu num concerto?
RF: Não me lembro de nada especificamente embaraçoso.
AV: Foi num evento de ocupação desses que rolaram nos últimos anos aqui no Brasil. Logo no início do show, vários componentes da bateria do evento começaram a cair em cima de mim e não adiantava só ajeitar, estava se desmontando mesmo, quebrando toda, estava velha e precisando de conserto urgente mas a música tinha que continuar. Resumindo, fiquei o show inteiro segurando a bateria de alguma maneira estranha que não sei explicar. Tipo essas provas de superação humana. As peças da bateria são pesadas porém tocá-la exige certa leveza. Resultado: saí de lá com as mãos sangrando. P'ra piorar, um set inteiro de pedais do Rafael foi perdido nesse mesmo show. Infelizmente situações como essa fazem parte da realidade de trabalhadores brasileiros em várias profissões. Muitas vezes temos que agir no improviso por falta de recursos.
LC: Recentemente, num show, um cara começou a assobiar altão. Paramos de tocar para aplaudir.. (risos)

Com que músico/banda gostariam de efectuar um dueto/parceria?
RF: Vários... de Zé Ramalho a Lady Gaga.
AV: Chico Chico
LC: Zé Ramalho e Arnaldo Baptista (Mutantes).

Para quem gostariam de abrir um concerto?
RF: Atualmente, pensando em quem está vivo e atuante, gostaria de abrir show do Rolling Stones, do Morrissey. Dos brasileiros, Barão, Los Hermanos, Ira!
AV: Morrissey
LC: Los Hermanos, Zé Ramalho, Barão Vermelho, Titãs.

Em que palco (nacional ou internacional) gostariam um dia de actuar?
RF: Tenho vontade de tocar no Rock in Rio, no Lollapalooza, festivais mundo afora. Madison Square Garden seria um lugar bacana de tocar, também!
AV: Glastonbury festival
LC: Lollapalooza, Rock in Rio, Isle of Wight. Não necessariamente nesta ordem.

Qual o melhor concerto a que já assistiram?
RF: Exercício de memória, isso. Já vi muitos shows bons, mas não lembro qual o melhor.
AV: Esperanza Spalding
LC: Ed Motta, na Lagoa Rodrigo de Freitas, ao ar livre, tocando Dwitza e sua fase Jazz.

Que artista ou banda gostavam de ver ao vivo e ainda não tiveram oportunidade?
RF: Iron Maiden
AV: Caetano Veloso
LC: The Smiths, The Strokes, Red Hot Chili Peppers.

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de terem nascido) em que gostariam de terem estado presentes?
RF: Algum do Bob Marley
AV: Janis Joplin no Woodstock
LC: Miles Davis at The Isle of Wight (1970)

Têm algum guilty pleasure musical?
RF: O que é isso?
AV: hahahahhaah Cara, gosto de Beyoncé
LC: Música tem que se adequar ao seu momento.

Projectos para o futuro?
AV: Meu disco solo, como cantora e compositora
LC: Gravar mais discos com o BARBA. Gravar músicas minhas, editar livros meus e começar a surfar.

Que pergunta gostariam que vos fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
RF: Essa é uma boa pergunta, mas não tenho uma resposta agora, p'ra ela.
AV: Que músicas você já ficou viciada, a ponto de ouvir várias vezes em looping? "The Chrystal Ship", The Doors; "The Man Who Sold The World", versão do Nirvana no Unplugged MTV; A Página do Relâmpago Elétrico, de Beto Guedes; e This Night has opened my eyes, do Smiths.
LC: Quer assinar um contrato milionário com sua banda?
Sim! Quais as condições?

Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?
RF: Não consigo pensar em uma, mas talvez alguma do Paul McCartney.
AV: Nocturne opus 9 número 2, de Chopin
LC: Todo o disco Transa do Caetano.

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
RF: Deixo essa decisão para os que ficarem, mas tenham respeito!
AV: "The Crystal Ship", the Doors.
LC: Dar play no álbum Bitches Brew inteiro, bem alto. Isso é um pedido.

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
RF: Obrigado vocês, boa sorte p'ra nós todos!

Antes de terminarmos, ficamos ao som de "Sonho de Sonho", primeiro single, extraído do futuro disco de estreia.

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