sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Conversas d'Ouvido com Nívea Magno


Entrevista com a cantora, compositora e actriz brasileira Nívea Magno. Descobriu desde cedo a paixão pelas artes em geral, mais recendente após engravidar decidiu mudar-se do Rio de Janeiro para o interior de Minas Gerais. Essa mudança revelou-se mais significativa do que poderia imaginar, a proximidade com a Natureza e a relação com a Terra estão bem patentes no seu EP de estreia editado este ano. Nesta conversa sobre paixões, influências e discos de uma vida, ficamos a conhecer melhor a mulher por trás da artista...  


Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Nívea Magno: Sinto que em casa fui bem nutrida artisticamente. Meu pai e minha mãe são artistas, artesãos e gostam de música. Minha avó dançava lindamente, meu avô é músico, compositor e durante um período da minha vida morei com meus avós, e em boa parte da minha infância ouvia meu avô ensaiando, dando aula de canto...
Para mim é muito natural vivenciar a música, a arte em geral. Na minha vida, música não é especialmente uma paixão, às vezes a música é uma tormenta, é um exercício árduo de disciplina, e ao mesmo tempo um brincar eterno. Ela é apaixonante, porém para seguir nesse caminho não basta a paixão fugaz, só muito amor para torná-la perene no viver.

Como gostas de descrever o teu estilo musical?
Por enquanto tenho me experimentado no universo da música popular brasileira, que é de facto vasto e diverso. Porém gosto de muitos estilos musicais, e me interessa o diálogo entre os diferentes. Me instiga o encontro do velho e do novo. Observar o que há de comum e incomum. Na realidade não me interessa muito estar enquadrada num estilo musical. Sei que tenho e sempre terei fases na minha vida.

O EP “Terra”, surgiu após algumas mudanças na tua vida, queres explicar-nos melhor o que esteve na génese da inspiração artística para este teu primeiro EP?
Após engravidar decidi mudar-me do Rio de Janeiro para o interior do sul de Minas. Quis estar em contato com a natureza, queria conseguir conectar-me com os ciclos, as estações, com o pulsar da terra. Toda essa experiência vem me transformando como mulher e como artista.
A maternidade vem me modificando de maneira muito intensa, e o exercício com o tempo e a solitude que a zona rural gera também têm sido significativos na minha produção artística atual.
O EP “Terra” nasceu deste contexto de renascimento, proporcionado por escolhas que mudaram o curso da minha história.

A gente planta uma semente de alegria e no decorrer do dia já começa a germinar”, é assim que tentas viver a vida?
Sim, sem dúvida, sigo nesse eterno aprendizado.

Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
Além da minha família e amigos... A arte em geral, a educação para liberdade e a abundância da natureza. Essas são minhas grandes paixões.

Por seres actriz, sentes-te mais à vontade nos concertos ao vivo?
Não. Primeiro que como cantora me sinto muito mais exposta do que quando trabalho como actriz. E segundo, que ainda me sinto bem no início do meu estudo sobre cantar e criar um jogo cénico, performático. Executar a música em si já é bem complexo, principalmente conjugando a consciência cénica. Tudo isso é um processo, uma construção e como já disse, me sinto no início deste estudo que acredito ser eterno.

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
A maior vantagem é ter a oportunidade de trabalhar criando nova linguagem, de apresentar outras possibilidades de comportamento mental, emocional e até físico, ou seja é muito gostoso pra mim saber que posso gerar cultura. E a desvantagem é a luta desleal com a cultura hegemónica. Para que a minha cultura exista tenho que me manter em estado de alerta de maneira que me sinto numa guerra, isso é ruim, muito ruim.

Quais as tuas maiores influências musicais?
As músicas de matrizes afroamerindias, músicas de terreiro de umbanda, músicas de capoeira angola, cantigas de folguedos populares do Brasil. Essas parecem estar entranhadas na minha memória ancestral.

Conheces alguma coisa da música portuguesa?
Não, mas gostaria de conhecer.

Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Costumo baixar as músicas e ouvir no computador em mp3.

O streaming está a “matar” ou a “salvar” a música?
Nem a matar nem a salvar, pra mim é apenas uma fase nessa história de veiculação da música. Claro que existem suas vantagens e desvantagens. Penso que uma ferramente é apenas uma ferramenta o que faz diferença é a maneira como a usamos, por isso a questão pra mim é como nos educarmos para saber usufruir dos recursos de maneira digna e responsável.

Qual o disco da tua vida?
Essa pergunta não vale! (risos) Pergunte:“Quais são os discos de sua vida?”. Essa talvez eu responda com dificuldade (risos) Mas lá vai uma listinha:
Tem Samba no Mar”, Roque Ferreira
Noites de Gala-Samba na Rua”, Mônica Salmaso
Canções Praieras”, Dorival Caymmi
Volta pra Curtir”, Luiz Gonzaga
Afrodiaspora", Susana Baca
Gil Luminoso”, Gilberto Gil
Ouro Negro”, Moacir Santos
E termino sabendo que se eu pensar mais não vou conseguir parar!

Qual o último disco que te deixou maravilhada?
TUM TUM TUM , Déa Trancoso.
Um disco que considerei singelo e despretensioso, gostei do repertório, da doçura da cantora e dos arranjos.

O que andas a ouvir de momento/Qual a tua mais recente descoberta musical?
Tenho escutado algumas cantoras como Juçara Marçal, Renata Rosa, Déa Trancoso entre outras.
E depois que vim para Minas Gerais descobri um pouco mais sobre os músicos mineiros, ouvi mais Milton Nascimento, Ceumar e Dércio Marques.

Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Dividir o palco com uma goiabada gigante que estava sendo distribuída gratuitamente em um festival de doce. Quando me contrataram pra fazer o show não me avisaram que esta seria o contexto para me apresentar, foi muito desagradável e cómico ser pano de fundo para uma goiabada ...

Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Gostaria de gravar um CD com Uakti.

Para quem gostarias de abrir um concerto?
Nesse momento da minha vida para Juçara Marçal.

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Em todos que eu for bem recebida, devidamente valorizada e respeitada. Mas confesso que gostaria de levar meu trabalho a lugares onde nem palco existe para se apresentar, lugares onde a cultura chega com muita dificuldade. Quero poder levar meu trabalho para aqueles que têm demanda de arte, mas tem pouca oportunidade e quero fazer isso recebendo dignamente, sendo paga por quem pode pagar e deve muito a essas pessoas que têm pouca ou nenhuma oportunidade de consumir cultura. Essa é uma cena que muito me instiga.

Qual o melhor concerto a que já assististe?
Um concerto do Bobby McFerrin no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, sozinho, ele o microfone e a plateia. Quando ele saiu do palco, chorei igual a uma criança por saber que aquele momento mágico tinha chegado ao fim.

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
Chico Buarque, Gilberto Gil, Dorival Caymmi, Juçara Marçal, Mônica Salmaso, Susana Baca, vários!

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Qualquer concerto da Nina Simone no auge das lutas, de sua época, pelas questões raciais, e um concerto do Luiz Gonzaga em que ele gravou o CD “Luiz Gonzaga volta pra curtir”

Qual o teu guilty pleasure musical?
Fiquei pensando aqui... Não é bem guilty pleasure por que não me sinto culpada por isso, mas gosto muito do RAP nacional, como não venho desta “escola” demorei a admitir que gostaria de cantá-lo. Um dia se eu me tornar segura executando esse estilo gostaria de gravar um trabalho com vários rappers que admiro.

Projectos para o futuro?
Gravar meu primeiro CD com músicas do meu avô Carlos Magno e músicas minhas traçando um diálogo entres nossas composições.

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
Gostaria que me questionassem: Qual pergunta tenho aos consagrados artistas, com uma carreira consolidada? Minha resposta: O que os motivou a seguir na construção de suas carreiras artísticas?

Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?
Nenhuma. Fico satisfeita que cada um tem sua contribuição ao mundo

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
No meu funeral quero um cortejo musical improvisado, espontâneo, alegre e bem colorido!

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
Gratidão vocês pela oportunidade de me expressar.

Antes de terminarmos apresentamos o mais recente EP Terra.

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