sábado, 5 de agosto de 2017

Conversas d'Ouvido com Melech Mechaya


Entrevista com os Melech Mechaya. O quinteto é composto por mais do que cinco músicos, na verdade são cinco amigos: João Graça (violino), Miguel Veríssimo (clarinete), André Santos (guitarra), João Novais (contrabaixo) e Francisco Caiado (percussão). Os Melech Mechaya, percorrem os caminhos do Klezmer (música de tradição judaica) e assim sem nos apercebermos já celebram dez anos de carreira. Recentemente editaram o seu quarto LP, Aurora, onde a já complexa e festiva sonoridade dos Melech é elevada a um novo patamar. Se ainda não ouviram o disco não sabem o que estão a perder e para  o provarmos, recomendamos que leiam a mais recente edição das "Conversas d'Ouvido"... 

Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Miguel Veríssimo (MV) - É-me difícil dizer... Gosto de música desde que tenho consciência, e calculo que seja assim um pouco com toda a gente. Mas diria que a partir do momento em que comecei a tocar, com 10 anos, que a relação com a música se aprofundou.

Como surgiu o nome Melech Mechaya?
João Novais (JN) - Há 10 anos atrás, quando começámos o nosso percurso, inspirámo-nos na música judaica. Músicas como "Hava Nagila", "Miserlou", "Bulgar de Odessa", entre outras, foram o mote para fazer música sobretudo com muita alegria e boa disposição. O nome Melech Mechaya apareceu neste seguimento, e significa "Reis da Festa" em hebraico.

Já passaram mais de dez anos, em 2006, quando deram os primeiros passos, imaginaram que chegariam até aqui?
JN - No ínico o objectivo era o primeiro concerto, depois foram 10 anos que passaram num instante e em que percorremos meio mundo, um verdadeiro privilégio poder partilhar aquilo que tanto gostamos de fazer e poder ver gente de 3 continentes a desfrutar da nossa música. 
MV - Eu não pensava muito no futuro. Queria era divertir-me e aproveitar o momento!

Editaram recentemente o vosso novo disco “Aurora”, para quem ainda não o ouviu o que podemos esperar?
JN - "Aurora" é o nascer do dia, é uma senhora de idade simpática, é uma criança que está para nascer, é uma multiplicidade de cores e paisagens. É um disco diferente de todos os outros e que nos deu grande gozo fazer e partilhar.
MV - Podem esperar o melhor disco de sempre dos Melech!

Afirmaram que tentaram fazer o vosso melhor disco até ao momento, na nossa opinião conseguiram-no, mas para isso será que este foi o álbum que vos deu mais trabalho?
JN - Este disco é sobretudo um olhar para o futuro, a oportunidade perfeita para começar de novo e fazer sempre melhor, levando-nos a ir mais além, por isso dedicámo-nos durante longos meses a esta tarefa, fizemos imensas experiências, seja com novos instrumentos até novas formas de pensar e sentir a música que fazemos. Não sei se foi o que deu mais trabalho, mas é seguramente a versão mais atual dos Melech Mechaya. 
MV - Gastámos muita energia, tempo e dedicação neste disco, nisso não há dúvida. E fizemos as pazes com a ideia de que podemos fazer música para ser ouvida de uma maneira diferente daquela a que estávamos habituados.

Em “Aurora”, a vossa já complexa sonoridade é elevada a outro patamar. Só por curiosidade, conseguem dizer-nos quantos instrumentos diferentes entraram no estúdio de gravação? Podem enumerá-los, temos tempo (risos).
JN - Temos de destacar o Saltério (Santoor), instrumento de cordas de origem turca que veio dar nome ao nosso 2.º single "Fado Saltério", a guitarra elétrica que entra em vários temas e na realidade funciona como um conjunto de diferentes instrumentos dada a variedade de sons que se consegue obter e o bombo tradicional português que entre as várias percussões novas assume um papel mais protagonista e enriquecedor na nossa música.
MV - Podemos referir ainda o cavaquinho (que já apareceu noutros discos) e o coro.
Francisco Caiado (FC) - Enumerando todos os instrumentos: Cajon, cajon de pé, tarola, bongós, darbuka, pandeiretas, shakers, cowbells, muitos pratos, concertina, guitarra, cavaquinho, violino, clarinete e contrabaixo.

Falando concretamente de um dos nossos temas preferidos do vosso novo disco, “Boom”, a música foi logo pensada para o Noiserv, ou só depois de composta é que surgiu o nome do David Santos?
JN - A Música partiu de uma ideia com a concertina. Inicialmente era algo totalemente diferente, mas quando chegámos a uma forma de canção pensámos automaticamente no David Santos.
MV - O nome do David foi o primeiro a aparecer, pois tínhamos um pressentimento de que casaria bem. E acertámos na mouche!

Nos vossos discos já tiverem participações de nomes variados como Mísia, Jazzafari, Amélia Muge e mais recentemente Noiserv e Lamari de Chambao. Isto significa que a vossa sonoridade não se limita a um determinado estilo musical?
MV - Significa sobretudo que nós adoramos abrir o nosso universo a outros artistas e trabalhar as músicas com eles. 
JN - Uma das caracteristicas principais da nossa forma de estar e fazer música sempre foi a de não haver muitos limites para o que podemos fazer em termos estilísticos, desde a primeira música que cada um de nós trouxe o seu contributo pessoal, e como temos gostos e percursos muito distintos isso reflecte-se na misturada que é Melech Mechaya.
FC - Outra característica muito específica da nossa música é o seu carácter instrumental. Essa especificidade abre espaço para a entrada de novos timbres e em particular de voz. Por isso a variedade de convidados não só reflecte o nosso desapego a um estilo musical específico mas essencialmente a nossa curiosidade em ouvir como as nossas músicas soam quando são cantadas.

Mesmo assim gostam de enquadrar a vossa música nalgum estilo musical?
JN - O mote inicial dos Melech Mechaya foi a música Klezmer, música de tradição Judaica, mas o nosso último disco fica já um pouco distante desse universo, apesar de estarmos sempre com um pézinho lá, diria que nos movemos algures nas músicas do mundo.
MV - Hoje em dia será já um melechmechayês.

Apesar de já contarem com diversas colaborações, com que músico gostariam ainda de efectuar um dueto/parceria?
JN - Há muitos artistas que gostaríamos de convidar e conhecer melhor, mas no fundo quem manda é a música, é ela que determina o perfil que melhor se lhe adequa seja do cantor ou instrumentista, temos que esperar pela próxima música para ver. 
MV - Adorava fazer alguma coisa com o David Bowie, mas algo me diz que não será possível...

Por vezes sentem que a vossa música, mais do que para ser ouvida em disco, deve ser ouvida ao vivo?
JN - A música que fazemos é para ser ouvida, não faz sentido de outra forma, diria que são duas experiências diferentes, mas em concerto estamos bem mais próximos do público há sempre surpresas ;).
MV - Quem já nos viu sabe o quão especial é um concerto nosso, em que a música ganha uma dimensão maior; de comunhão, de festa, de dança. Mas achamos que os nossos discos - sobretudo o Aurora - mostram outras coisas, oferecendo sempre algo novo a cada audição.

Falando agora um pouco de vocês enquanto apaixonados por música...
Para além da música, têm mais alguma grande paixão?
JN - É segredo. 
MV - O cinema. 
FC - A biologia.

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
JN - A maior vantagem será a de partilhar aquilo que se faz em momento únicos e irrepetíveis com muitas pessoas, a desvantagem..... são as longas horas na estrada para cumprir esse fim.
MV - Poder tocar as nossas músicas pelo mundo inteiro com 4 amigos do coração e conhecer pessoas incríveis é um enorme privilégio. Passar tanto tempo longe da família é sem dúvida o pior.

Quais as vossas maiores influências musicais?
JN - Há tanta coisa que eu gosto de ouvir.... nos últimos dias tenho estado a ouvir sobretudo  "Brigada Victor Jara". 
MV - David Bowie, Beatles, Portishead, Debussy, Duke Ellington são presenças fortes na minha vida. Mas depende da altura :)

Como preferem ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
JN - Nos dias que correm oiço música sobretudo em mp3 e em streaming, acho que não tenho uma predilecção pelo formato.
MV - Normalmente com os ouvidos! De resto, interessa-me pouco o meio.

O streaming está a “matar” ou a “salvar” a música?
JN - O streaming torna a música mais acessível às pessoas que querem ouvir e mais difícil de compensar os artistas pelo seu trabalho, comparando com os formatos físicos que vinham a ser praticados. Vivemos numa era de grande slato tecnológico e estamos ainda a habituar-nos e a arranjar equilíbrio, é um caminho que tem de ser caminhado.
MV - É inevitável. Há anos que se debatem as novas maneiras de ouvir música. Está na altura de aproveitar o que existe e fazer o melhor com o que há, em vez de gastar tanto tempo a analisar tudo...

Qual o disco da vossa vida?
JN - É muito difícil escolher um. Neste preciso momento se fosse ouvir um disco, sem ser o "Aurora" dos Melech Mechaya, escolhia ao acaso um do Bernardo Sassetti.... amanhã talvez um do Carlos Paredes.
MV - Há muitos, tantos mais quanto mais velho estou. Posso falar do The Rise And Fall of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars (Bowie), Rubber Soul (The Beatles), Vinyl (The Gift), Dummy (Portishead)...

Qual o último disco que vos deixou maravilhados?
JN - "Menina" - Cristina Branco
MV - O primeiro da Gisela João.

O que andam a ouvir de momento/Qual a vossa mais recente descoberta musical?
JN - ... nos últimos dias tenho estado a ouvir sobretudo "Brigada Victor Jara".  
MV - O novo dos Arcade Fire.

Qual a situação mais embaraçosa que já vos aconteceu num concerto?
MV - Já tivemos algumas... Desde um senhor extremamente alcoolizado que subiu ao palco e tresandava a cocó, uma rapariga ébria que simulou a cópula com uma idosa, passando por um concerto para dez mil estudantes embriagados que nos ignoraram o tempo todo (vejo agora que há aqui um padrão...!) (risos)
André Santos (AS) - Já tivemos várias mas lembro-me de chamarmos a palco um rapaz para dançar que decidiu baixar as calças mostrando o rabo ao público.

Para quem gostariam de abrir um concerto?
MV - Paul McCartney!
AS - Os Radiohead seriam um grupo consensual entre os 5.

Em que palco (nacional ou internacional) gostariam de um dia actuar?
MV - O próximo! (Mas o Carneggie Hall seria um bom exemplo).
AS - Nacional tenho o grande auditório do CCB fisgado. Internacional há muitos mas o Carnegie Hall confesso que tem a sua mística.

Qual o melhor concerto a que já assistiram?
MV - É difícil eleger um. Mas lembro-me que adorei o concerto do Justin Timberlake no Rock in Rio. 
AS - Pergunta difícil. Diria que o concerto dos The Klezmatics na Culturgest no início de 2007 nos marcou enquanto Melech e foi deveras transformador.

Que artista ou banda gostavam de ver ao vivo e ainda não tiveram oportunidade?
MV - David Bowie... Arcade Fire! 
AS - Eu pessoalmente de repente lembro-me dos The Bad Plus e do Nik Bärtch. 
FC - Qualquer concerto do Tom Waits.

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de terem nascido) que gostariam de terem estado presentes?
MV - Gostava de ver a estreia da nona de Beethoven. Só para ver se as histórias são verdadeiras!
AS - The Köln Concert do Keith Jarrett sem dúvida.

Têm algum guilty pleasure musical?
MV - Oh pá... Confesso que o "My Heart Will Go On" da Céline Dion tem qualquer coisa...
AS - Há uns anos ouvia os primeiros discos da Britney Spears e do Craig David...

Projectos para o futuro?
MV - Terceiro single a sair em Outubro, Tivoli e Casa da Música em Dezembro, e todos os palcos do mundo para ouvirem este "Aurora"!
AS - No curto/médio prazo a ideia é divulgar o Aurora, aumentar a tour de concertos do mesmo e ir a salas de concertos importantes. Como acabou de sair o disco ainda estamos a aproveitar este estado de realização antes de atacar já com composições e propostas futuras de criação.

Que pergunta gostariam que vos fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta?
AS - Como é que o Michael Jackson conheceu a vossa música e decidiu copiar-vos? Achamos que nos ouviu na rádio local... (risos)

Que música de outro artista gostariam que tivesse sido composta por vocês?
AS - "Billie Jean" do Michael Jackson. 
MV - Não me importava de ter composto a "Bohemian Rhapsody" do Freddy Mercury/Queen.

Que música gostariam que tocasse no vosso funeral?
AS - Requiem à memória de Benjamin Britten composta por Arvo Part.
MV - "Chegou a Hora" dos Melech!

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
Obrigado nós!

Apresentamos agora o tema "Boom", que conta com a colaboração especial de Noiserv.

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