sábado, 27 de maio de 2017

Conversas d'Ouvido com Vinícius Castro

Entrevista com Vinícius Castro, compositor brasileiro radicado em Nova Iorque. Apaixonado por poesia, decidiu transformar em músicas as obras do poeta americano Patrick Phillips, daí resultou o disco Broken Machine Project. Vinícius não é no entanto um novato, em 2010 editou o seu debut Jogo de Palavras, Em 2012 participou no projecto Som na Sala, musicando o "soneto XXV" de Pablo Neruda, mais tarde debruçou-se sobre "A criança que ri na rua" de Fernando Pessoa. Em 2013, os CRIA (projecto paralelo de música infantil), lançaram o disco A Família, indicado para o prémio de música brasileira. Em 2017 é o convidado de mais uma edição das "Conversas d'Ouvido"...


Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Vinícius Castro: Comecei a compor canções aos 13 anos de idade, de forma aleatória. Eu não tocava instrumento algum, então compunha melodias e letras apenas. Antes disso, estranhamente, eu nem gostava de ouvir música. Com o tempo, fui aprender a tocar violão para poder tocar minhas próprias canções.

Como é que um brasileiro decide rumar até Nova Iorque?
Depois de produzir diversos discos meus e de outros artistas no Rio de Janeiro, senti a necessidade de me aprofundar no estudo da engenharia de audio, pois passei a pensar no som e diferentes timbres como uma extensão da manifestação artística que é um cd. Assim, vim para Nova Iorque estudar engenharia de audio.

Quais foram as dificuldades que sentiste na “Big Apple”?
Nova Iorque é uma cidade muito caótica. É bastante difícil conseguir encontrar músicos que tenham tempo para participar de um projeto - para se encontrar, ensaiar, conversar e criar coletivamente. Num sentido mais concreto, subir e descer as escadas do metrô de NY carregando quilos de equipamentos também não foi nada fácil!

Como é que a poesia de Patrick Phillips entrou na tua vida?
Conheci o poema "Heaven" num vagão de metrô em NY. Esse poema fazia parte de uma série chamada "Poesia em Movimento", através da qual diversos poemas de diferentes autores figuram em cartazes pelos trens da cidade.

O Patrick Phillips já ouviu os Broken Machine Project?
Sim, ele foi o primeiro para quem enviei o álbum. Ele se mostrou muito feliz com o resultado e com a possibilidade de uma criação coletiva através da música, já que o fazer poético dele é sempre uma atividade solitária.

Como gostas de descrever o teu estilo musical?
Meu estilo musical não se prende a estilos musicais. Penso na música como um amparo para a poesia. Então, se a poesia pede um determinado estilo, é por esse caminho que minha composição vai. É como se o poema fosse o personagem principal e a música fosse sua trilha incidental.

Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
Pelo projeto, acho que fica claro que eu adoro poesia e também eletrónica/equipamentos de gravação. Fora isso, sempre fui apaixonado por cachorros, e Berry, meu cão, tem preenchido essa paixão e me ajudado a descobrir lugares em Nova Iorque que eu jamais descobriria sem ele!

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
Ser músico, para um músico, é algo inevitável. A criação artística não passa pelo crivo do racional. Afinal, quem em sã consciência vai gastar dinheiro para produzir um disco com poesias hoje em dia? Mas para o músico, a criação é uma necessidade assim como respirar e comer. Então poder fazer disso seu sustento financeiro é uma vantagem.
A desvantagem é viver num universo emocional constantemente. Seu trabalho é ligado de forma intrínseca ao seu ego e emotividade. Então não se espera somente um retorno financeiro de seu labor, mas também uma conexão emocional, uma transmissão de sentimentos e uma troca com seu público. Isso nem sempre acontece, e é preciso saber separar as realidades de quem cria e quem recebe arte.

Quais as tuas maiores influências musicais?
Desde criança ouvi muito Chico Buarque e Caetano Veloso - e acho que eles moldaram minha forma de escrever letras. Já Villa-Lobos e Baden Powell me influenciaram na forma de tocar violão. E recentemente, artistas americanos como Norah Jones, Madeleine Peyroux e John Legend me influenciaram em termos de sonoridades para o disco Broken Machine Project.

Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Infelizmente não tenho tocadores de cd, vinil e k-7 em casa. Ouço por streaming.

O streaming está a “matar” ou a “salvar” a música?
O streaming está tornando música acessível para um público que já está acostumado, desde o Napster e a revolução do MP3, a achar que música é um bem gratuito. Aos poucos, estamos voltando a aceitar o valor de uma canção e ter a necessidade de pagar por ela. O streaming é um passo na direção certa, mas ainda é preciso rever os valores que são revertidos para os compositores.

Qual o disco da tua vida?
Edu Lobo/Chico Buarque - O Grande Circo Místico

Qual o último disco que te deixou maravilhado?
Norah Jones - Day Breaks

O que andas a ouvir de momento/Qual a tua mais recente descoberta musical?
Gosto muito de um artista britânico chamado Will Knox; de uma banda americana chamada Green and Glass e de um grupo brasileiro chamado Baleia. 

Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Já aconteceu de tudo: já esqueci letra de música; já deixei a palheta cair dentro do violão (e fiquei tentando tirá-la de dentro durante 5 minutos, até que alguém da plateia veio ao palco e me emprestou uma palheta nova); e já fui convidado em cima da hora pra fazer um show, organizei uma banda, subimos ao palco e não havia público nenhum. 

Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Amigos e compositores da minha geração. Já compus diversas parcerias com nomes maravilhosos como Demétrius Lulo, Paulo Monarco, Luiza Sales, Vicente Nucci, Clarice Assad, entre muitos outros. E essas parcerias são muito mais significativas do que compor com "alguém famoso".

Para quem gostarias de abrir um concerto?
Ninguém. Gosto de tocar com amigos em lugares pequenos, onde a canção seja o principal elemento, que se ouça as letras e seja possível um momento de intimidade musical.

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Gostaria de tocar em Portugal em lugares de pequeno porte, com artistas locais, e poder me aprofundar na cultura lusitana.

Qual o melhor concerto a que já assististe?
Paulo Monarco e Dandara Modesto - "Dois tempos de um lugar"

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
Chico Buarque

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Bob Dylan, NY, antes da fama, num café qualquer no Village.

Qual o teu guilty pleasure musical?
Rap Brasil dos anos 90!

Projectos para o futuro?
Lançar o segundo cd do grupo infantil CRIA, que se chamará "Criaturas".

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
Realmente não sei.

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
Nenhuma música, deixa o vento soprar no silêncio.

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.

Terminamos ao som de Vinícius Castro e do álbum Broken Machine Project...

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