domingo, 7 de maio de 2017

Conversas d'Ouvido com Sopa d'Alma


Os Sopa d'Alma, nasceram na Áustria, mas o coração é bem português, a alma é nacional, a língua é de Camões e o sentimento lusitano. Fá Pereira (voz, flauta) e Pedro Carneiro (guitarra) compõem música para mais do que ser ouvida, ser sentida, preparam-se para editar este ano o novíssimo EP, Hino Vitável, Vol.1. Enquanto esse dia não chega, fomos conheçê-los melhor numa conversa "profundamente descontraída", em mais uma edição das "Conversas d'Ouvido"...


Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Fá: Eu sempre cantei, e sempre fui muito musical! Mas lembro-me como se fosse hoje da primeira vez que pisei o palco com 6 anos, numa festa de natal para cantar uma canção… E lembro-me de sentir imediatamente que era isso que eu queria fazer para sempre!
Pedro: Provavelmente não surgiu porque sempre esteve lá. O que surgiu foi a vontade de me aproximar da música através de algum instrumento que no meu caso foi a guitarra clássica por volta dos 12 anos. É claro que a minha principal motivação era tocar para o público, o que aconteceu pela primeira vez logo a seguir a ter começado a aprender no âmbito de uma disciplina de projecto do 6.º ano com uma cover da “Wonderful Tonight” do Eric Clapton mas com a letra alterada para reflectir sobre a maravilha que era a chegada do Euro (a moeda e não o campeonato de futebol). E correu muito bem (a actuação, não a moeda)!

Como surgiu o nome Sopa d’Alma?
O projecto foi criado ainda na Áustria com a finalidade de misturar estilos musicais, uma sopa de estilos digamos, mas de clara identidade portuguesa. E sempre achamos que a alma fosse um conceito que a música portuguesa (alguma) tem muito presente, ou seja, de intrinsecamente característico.

Como é que dois bracarenses decidem ir para Viena?
Esta é a melhor pergunta que nos poderiam fazer neste momento, uma vez que o EP que vamos lançar “Hino Vitável - Acto I” é precisamente um registo musical auto-biográfico sobre o que nos motivou e precipitou para a saída de Portugal. Não há uma resposta resumida, só uma conciliação de factores políticos, sociais, pessoais, etc. cuja coincidência e persistência nos fizeram chegar a essa decisão. Mas para saberem mais aconselhamos mesmo a audição do EP, e eventual análise da letra, porque sabemos que muita malta se identificaria com o nosso caso quando tomámos essa decisão. Infelizmente.

Já podem aprofundar um pouco mais, sobre o que podemos esperar de "Hino Vitável - Acto 1"?
Se por um lado já abordámos o conteúdo, falta, por outro, mencionar um pouco a forma. O “Hino Vitável - Acto I” é para pôr a tocar de início e retirar no fim. É uma música só, com cerca de 30 minutos. Está divida em trechos, claro, mas ouvi-los fora do contexto e ordem seria como retirar capítulos de um livro e lê-los isoladamente. Ao vivo, por exemplo, não há outra forma de a fazer funcionar a não ser em bloco. Como, lá está, numa leitura de um livro não fazer sentido ler os capítulos por ordem aleatória.

Como gostam de descrever o vosso estilo musical?
Com simplicidade: música portuguesa autobiográfica. Achamos que o melhor elogio que podem fazer à nossa música, para além dos simples “gosto/não gosto” é que fez pensar ou sentir algo, por identificação ou oposição do confronto com o conteúdo. Para nós é impensável agarrar-se tanto à pertença a um determinado estilo, acabando por replicar padrões, progressões/comportamentos musicais e clichês fora do palco que muitas vezes se esquece que o assunto é secundário. Não criticamos quem o faça, só não achamos que seja um modo de estar com que nos identifiquemos, porque na maior parte das vezes descompromete os músicos da mensagem que com maior ou menor vazio de ideias estão a propagar. Ao fazê-la autobiográfica torna-se inevitavelmente contemporânea e sobre assuntos válidos e pertinentes na discussão social.

Para além da música, têm mais alguma grande paixão?
Fá: Eu AMO ensinar, ainda que esteja ligado à música ensinar a minha paixão, o canto, é das coisas mais satisfatórias que já experienciei! Vídeo e fotografia também são grandes paixões minhas e também adoro cozinhar, tanto que me atrevi a escrever um livro de receitas, “Ser Vegan é Fácil”, que lancei no início deste ano! 
Pedro: Certamente. Metafísica, evolução social, política, sociedade e tantos outros. Gosto de tudo que se possa discutir com pontos de vista válidos e justificado e tudo aquilo sobre o qual se possa especular à vontade porque é tudo que a insignificância Humana nos permite. Aprecio e respeito de igual modo Arte e Ciência.

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
Fá: A maior vantagem de ser músico é a capacidade de libertação do mais profundo sentimento que nos corre na alma e poder partilhá-lo ao mundo. Para mim não há nada igual à sensação de pisar um palco e entregar ali a minha alma a nu a quem a queira ver e ouvir! A maior desvantagem é sem dúvida a incompreensão que as pessoas têm pelo músico e pelo seu trabalho, muitos esquecem-se (ou simplesmente não sabem) que para se fazer música há imensas horas de trabalho por trás, mas quem diz músicos, diz artistas no geral. 
Pedro: Não saberei dizer porque nunca vivi como um músico. Acho que é essa a principal desvantagem. É tão desregrada e volúvel que desmotiva muita gente de se afirmar como músico, agarrando-se a profissões paralelas “oficiais”. Espero um dia encontrar a coragem para me autoproclamar como músico e assumir a vida de um. Mas também tenho que sentir que tenho alguma mensagem para dar ao mundo a que me possa dedicar a tempo inteiro a desenvolver ou fazer sair.

Quais as vossas maiores influências musicais?
Fá: Eu consumo mais estilos musicais! Gospel, blues, folk, experimental e teatro musical são sem dúvida o meu vício. Mas posso dizer que Ella Fitzgerald é possivelmente a minha musa musical!
Pedro: Pink Floyd (o trabalhar de um conceito), Mark Knopfler (a beleza e eficácia da mensagem na simplicidade) e Pat Metheny (a originalidade interminável e incansável). Quanto a portugueses os grandes José Mário Branco, Fausto, Sérgio Godinho e Zeca Afonso. Mas o J.M.Branco é realmente aquele que considero o mais preponderante e influente na minha abordagem à música portuguesa. Entristece-me actualmente que não lhes seja dado todo o crédito que merecem.

Como preferem ouvir música? CD, Vinil, K-7, Streaming, leitor mp3?
Fá: Eu adoro ouvir música em viagens longas quando estou a conduzir ou como passageira normalmente com o meu mp3 velhinho que tem quase a mesma idade que eu e ainda está aí para as curvas!
Pedro: Eu ouço sobretudo no computador com colunas quando estou a trabalhar em coisas gráficas. Antigamente ouvia em todas as viagens que fazia de carro, autocarro, camioneta, comboio…. Mas comecei a reparar que coisas que idolatrava me começavam a enjoar porque andava obcecado em ouvi-las e acabei por danificar a minha vontade de as ouvir. Agora aproveito as viagens para pensar no que vou ouvir quando estiver no computador!

O streaming está a “matar” ou a “salvar” a música?O que mata a música é a ausência de ideias musicais novas. O streaming é um processo lógico e natural decorrente da omnipresença da internet. Mas às vezes parece que a maior parte das pessoas desistiu de exigir evolução da música com a propagação do slogan que mais me aflige neste mundo “já está tudo inventado”. Morro um bocadinho sempre que ouço isto!

Qual o disco da vossa vida?
Fá: “Silêncio” de Pedro Abrunhosa é um dos muitos.
Pedro: O “Secret Story” do Pat Metheny. Já o meu pai o punha a tocar para mim ainda estava eu hospedado no útero da minha mãe. Ainda hoje o ouço com grande prazer e deslumbramento.

Qual o último disco que vos deixou maravilhados?
Fá:Build a Rocket Boys!” dos Elbow.
Pedro: Como ponto de viragem na minha percepção da música, o magnífico “Resistir é Vencer” do José Mário Branco. Quando o ouvi a primeira vez, tudo mudou. Ainda que antes desse tenha ficado de boca aberta com o “Rajaz” dos Camel. Maravilhado não é um adjetivo à toa, fiquei colado ao chão a ouvir esse disco em repeat!

O que andam a ouvir de momento/Qual a vossa mais recente descoberta musical?
Fá: Edward Sharpe & The Magnetic Zeros.
Pedro: Eu acordei tarde, aos 25, para a música de José Mário Branco, Fausto e Sérgio Godinho. Mas estou muito satisfeito por o ter feito. Ouço muito trabalhos e concertos destes mestres. Não são novidades nem hits porque não andam para aí em alta circulação, infelizmente. Mas no que depender de mim vou chatear muita gente próxima de mim até os ouvir, nem que seja por ser eu a cantar os refrões deles até se sentirem curiosos para ouvir o resto dos temas ou confirmarem se os estou a cantar bem!

Para quem gostariam de abrir um concerto?
Gostaríamos de abrir para o José Mário Branco, mas mais que isso, se um dia os astros se alinhassem, colaborar com ele num tema, num álbum ou num concerto. Seria um belo capítulo das nossas vidas.

Em que palco (nacional ou internacional) gostariam um dia de actuar?
Esta é em uníssono: palco Jazz na Relva no Festival de Paredes de Coura. Não é preciso ter um grande palco para um palco ser grandioso.

Qual o melhor concerto a que já assistiram?
Ambos fomos a um concerto que guardamos como o melhor: Snarky Puppy no WUK em Viena, Áustria. A energia das música e dos músicos foi transcendental. Sem truques, só talento, amizade e humildade.

Que artista ou banda gostavam de ver ao vivo e ainda não tiveram oportunidade?
Fá: The Staves e Post Modern Jukebox
Pedro: José Mário Branco, Mark Knopfler e outros que infelizmente já não é possível ouvir por estarem a dar concertos noutros planos espirituais.

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de terem nascido) em que gostariam de ter estado presentes?
Fá: Concerto não sei, mas adorava ter conseguido ver Janis Joplin no Woodstock! No fundo gostava de ter ido ao Woodstock nesse ano!
Pedro: Um qualquer antiguinho dos de Pat Metheny Group em Portugal ou o dos “Três Cantos”, mais recente.

Qual o vosso guilty pleasure musical?
Pedro: Não me sinto muito guilty mas talvez algumas músicas do George Michael, Enigma e álbuns antigos do Pedro Abrunhosa.

Projectos para o futuro?
O grande projecto (e desafio) é manter um papel activo na música em Portugal. E, a ser possível, reunir músicos da nossa confiança para dar mais corpo à nova abordagem, mais social e interventiva, da música que estamos a tentar desenvolver. Mas como é óbvio, isto é o nosso projecto para o futuro neste presente. O mais provável é termos num futuro um projecto totalmente distinto para um outro futuro ainda mais longínquo.

Que pergunta gostariam que vos fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
Gostaríamos que nos perguntassem que pergunta gostaríamos que nos colocassem e a resposta é precisamente esta.

Que música gostariam que tocasse no vosso funeral?
Fá: "The Birds" dos Elbow.
Pedro: "The Truth Will Always Be" do Pat Metheny.

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.

Terminamos ao som dos Sopa d'Alma e do EP Dia do Café (Coffe Day), editado em 2016, que se encontra para escuta e download (possivelmente gratuito) através da plataforma Bandcamp.

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