terça-feira, 18 de abril de 2017

Conversas d'Ouvido com Slowburner


Estivemos à conversa com o músico e produtor Élvio Rodrigues, mentor do projecto Slowburner. Slowburner apresenta-nos uma sonoridade instrumental, onde o piano assume o papel principal, transportando-nos para um certo ambiente cinematográfico. O músico madeirense actualmente sediado em Lisboa, editou recentemente o seu EP, Before I Return To Dust, que poderão ouvir mais à frente, no entanto antes de se deliciarem com a sua música, podem conhecê-lo melhor neste edição das "Conversas d'Ouvido"...


Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Élvio Rodrigues: Uma das primeiras memórias musicais que tenho é de nas aulas de música do 1.º ciclo tocar xilofone. Quando a professora distribuía os instrumentos pelos alunos, lembro-me de ficar completamente satisfeito quando ficava com o xilofone. Diria que esses pequenos momentos poderão ter sido o início de algo maior. A paixão propriamente dita surgiu quando decidi começar a tocar guitarra na altura do Nu-Metal. Desde essa altura mantive sempre a paixão pela música e mantive sempre o desejo de ter projectos musicais e simplesmente explorar instrumentos /sonoridades.

Como surgiu o nome Slowburner?
Para ser sincero não me lembro exactamente como surgiu o nome. O processo de tudo aquilo que resultou em “Slowburner” foi precisamente um processo lento e de exploração, do qual nunca tive a certeza de resultar algo em concreto e que quisesse continuar. Já o significado do nome vem claramente deste processo que é muito semelhante a muitas outras facetas da minha vida. Coisas que se repetem, coisas que nos definem ao longo do tempo. Coisas que estão lá desde o início e só as aceitamos como sendo parte de quem somos depois de as reencontrarmos inúmeras vezes em situações completamente distintas. Vendo a coisa desta forma, “Slowburner” é uma espécie de sinónimo de “Élvio Rodrigues” e acaba por ser quase mais pessoal do que apenas usar o meu nome.

Editaste recentemente o EP “Before I Return To Dust”, para quem ainda não ouviu, o que pode esperar?
Podem esperar um EP honesto, que apesar de instrumental, conceptualmente “fala” da passagem do tempo e da necessidade de fazermos algo que seja importante para nós durante o pouco tempo que temos neste mundo.
Musicalmente é bastante simples. Exploro sonoridades mais ambiente, tendo como principal instrumento o piano, mas fazendo uso também de field recordings e sons mais atmosféricos.

Para além da música, t que tocasse no vossomavamstiram que tocasse no teusosavas ariasens mais alguma grande paixão?
Não sei se pode ser considerado uma paixão, mas gosto de andar pela natureza e explorar percursos pedestres, longe da cidade. Algo que não acontece há algum tempo, na verdade. “Exploração” acho que acaba por ser a palavra-chave. Mesmo fora da música gosto de explorar vídeo e escrita. Mas novamente, não é algo que tenha vindo a fazer continuamente como a música. Mas é algo que tenho sempre presente e que poderá ter alguma importância para Slowburner no futuro.

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
Posso responder a esta questão do ponto de vista de alguém de fora, uma vez que apesar de levar a música muito a sério, esta não deixa de ser uma espécie de hobby para mim. A maior vantagem parece ser a possibilidade de abraçar a vida de artista a 100%. Infelizmente isto parece incluir também os dissabores que essa escolha trás - instabilidade no geral e instabilidade financeira em concreto, que claramente são as desvantagens de ser músico/artista.

Quais as tuas maiores influências musicais?
Eu diria que “influência” pode ser qualquer coisa, quer estejamos conscientes disso ou não. E isso ultrapassa completamente aquilo que qualquer um de nós tem controlo. Nesses termos, as influências são tudo e nada.
Neste contexto prefiro usar a palavra “referência”. Nesse sentido, as referências para mim são pessoas que se destacaram de alguma forma numa área qualquer (não tem de ser especificamente na música). Mas uma vez que já estou a fazer hijack à questão vou cingir-me à música e vou dizer isto: admiro a capacidade de improviso do Nils Frahm; admiro o perfeccionismo e a capacidade de criar música com emoção do Ólafur Arnalds; admiro a honestidade da Lucy Rose, Daughter e Glen Hansard. Vou parar aqui.
São coisas que valorizo muito na música. Não vou necessariamente buscá-las a estes artistas, mas podem muito bem servir de guia para relembrar aquilo que valorizo na música.

Como preferes ouvir música? CD, Vinil, K-7, Streaming, leitor mp3?
Hoje em dia ouço principalmente em streaming, não necessariamente por uma questão de preferência, mas sim por uma questão de comodidade. Isto porque a maior parte das vezes ouço música no trabalho, e cá em Lisboa não tenho o meu sistema de som xpto. Depois do trabalho acabo por não ouvir muita música. Dou prioridade às minhas próprias composições/gravações, por isso acabo por nem ouvir tanta música como gostaria.

O streaming está a “matar” ou a “salvar” a música?
Acho que o streaming não está necessariamente a “matar” ou a “salvar” a música. A música parece-me ser algo que simplesmente existe e não será assim tão facilmente extinguida. Claro que se não apoiarmos os artistas de uma forma ou de outra poderemos estar a contribuir para a “morte” da música uma vez que se os artistas não tiverem dinheiro para viver, dificilmente terão dinheiro para compor/gravar/partilhar música.
Ainda assim, acho que a música é bem mais forte do que isso tudo. O que isto pode significar é que cada vez teremos mais pessoas multifacetadas que ganham a sua vida de uma forma durante o dia, e durante a noite apostam naquilo que as faz realmente felizes. Talvez aqueles que fazem isto pelas razões erradas deixem de ter paciência para fazê-lo e os outros continuem a fazê-lo porque provavelmente não existe nada que preferissem fazer para além disto (compor/gravar/tocar).

Qual o disco da tua vida?
O disco da minha vida? Essa é uma pergunta difícil. Não acho que tenha encontrado esse disco ainda. Ou talvez o tenha encontrado por momentos, para depois perdê-lo novamente. Mas acho que não existe um que seja uma constante em todos os momentos. Só para enumerar alguns desses discos, sem nenhuma ordem em particular (e faltando uma data deles): Rooms of the House (La Dispute), Clayman (In Flames), Alive or Just Breathing (Killswitch Engage), Music for the Motion Picture Victoria (Nils Frahm), If You Leave (Daughter), Weighing Souls With Sand (The Angelic Process), etc.

Qual o último disco que te deixou maravilhado?
O último disco que me deixou maravilhado é sem dúvida alguma “Pinô” de Otto A. Totland. Recomendo para quem gosta de piano e ainda não conhece. Tem uma ambiência espectacular.

O que andas a ouvir de momento/Qual a tua mais recente descoberta musical?
A mais recente descoberta musical é efectivamente Otto A. Totland. Há pouco tempo descobri também uma saxofonista chamada Mette Henriette. Ainda não tive oportunidade de ouvir o álbum completo dela, mas a julgar pelo que ouvi no soundcloud, promete muito. Pascal Pinon e JFDR são também dois projectos islandeses que tenho vindo a explorar nos últimos tempos. Ambos contam com a participação de Jófríður Ákadóttir, sendo que JFDR é na verdade o seu projecto a solo.

Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Nunca toquei ao vivo. De certa forma podemos considerar essa como sendo a minha situação mais embaraçosa ‘num concerto’ – nunca ter dado um concerto.

Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Ocorrem-me vários. Mas acho que teria de escolher alguém que tivesse uma abordagem diferente da minha para de alguma forma ser estimulante e resultar. Tendo isso em conta, neste momento ocorre-me por exemplo fazer uma parceria com a Elena Tonra de Daughter. Definitivamente não tenho os skills de escrita nem a voz dela, por isso seria interessante.

Para quem gostarias de abrir um concerto?
Tendo em conta o tipo de sonoridade que ando a explorar com Slowburner, faria sentido e seria uma grande honra poder abrir um concerto do Ólafur Arnalds, do Nils Frahm e/ou do Greg Haines, entre muitos outros.

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Há uns meses atrás li uma notícia que falava de uma sala de concertos “acusticamente perfeita” na Alemanha. Deve ser interessante tocar num sítio assim. De resto, muito honestamente, gostaria de tocar em qualquer palco onde exista uma audiência com uma mente aberta o suficiente para se deixar levar por aquilo que o artista em palco está a fazer.

Qual o melhor concerto a que já assististe?
La dispute em Londres em 2015. Pela companhia e pela qualidade dos músicos em palco.

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
Demasiados artistas. Ólafur Arnalds, Nils Frahm, Laura, Jakob, Greg Haines, Touché Amoré, Defeater, Godspeed You! Black Emperor e muitos mais.

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Um concerto qualquer de In Flames na altura da digressão do Clayman.

Qual o teu guilty pleasure musical?
É um conceito que me passa um pouco ao lado, musicalmente pelo menos. Ouço aquilo que me diz algo de uma forma ou de outra. Não sinto a necessidade de racionalizar e concluir se é “fixe o suficiente” ou se é bem aceite, etc. É simplesmente música.

Projectos para o futuro?
Tenho alguns, mas a vida nem sempre corre como esperamos. Há poucos dias finalizei uma música para o Piano Day (dia 29 de Março). Talvez grave um vídeo para uma das músicas do EP. Quero definitivamente lançar mais qualquer coisa ainda este ano. Talvez mais um EP, mas não quero estar a falar demasiado antes de fazer as coisas. Tocar ao vivo este ano também seria um passo importante. Posso garantir que mesmo que nada disto aconteça, há algo a acontecer nos bastidores para dar vida a coisas novas.

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
Aqui vai: A tua música parece saída de um filme. É algo intencional? Tens algum tipo de interesse em enveredar pelo mundo do cinema?
Na verdade tive algum feedback de várias pessoas que afirmam que o EP, e outras músicas pré-EP, têm uma certa vibe de soundtrack. Definitivamente não é intencional, mas talvez faça parte da minha maneira de compor e tocar. A música instrumental no geral, e a música ambiente em particular parecem sempre resultar bem com imagens/vídeo. Talvez seja por isso.
Dito isto, não posso dizer que tenha experiência a compor música especificamente para vídeo ou cinema, mas a verdade é que já fiz algumas experiências nesse sentido. A música "Away From Home" por exemplo, surgiu precisamente de um vídeo gravado a partir de um momento completamente espontâneo, em 2016. Quando cheguei a casa senti-me tão inspirado que não consegui conter-me e acabei então por criar a “banda sonora” para esse pequeno vídeo. Podem ver o resultado aqui: https://vimeo.com/163228054
É definitivamente algo que me vejo a fazer mais vezes no futuro. Não só vídeo e filmes como jogos, etc. Estaria completamente interessado em colaborar nesse tipo de projectos.

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
A primeira música que me ocorreu foi a versão da "Mad World" tocada pelo Gary Jules.

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
Obrigado eu, boa sorte para o Ouvido Alternativo

Ficamos agora ao som do EP Before I Return To Dust, que se encontra disponível para escuta através da plataforma Bandcamp

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