terça-feira, 18 de abril de 2017

Conversas d'Ouvido com Camões

Camões é nome de poeta, mas também de músico, não falamos de Luís Vaz de Camões, mas sim de Paulo Camões, nascido e criado no Rio de Janeiro, mas com raízes portuguesas. Na sua discografia conta com dois EP's, Cupim e Anilina, este ano virá apresentar a sua música neste lado do Oceano. Nesta edição das "Conversas d'Ouvido" descobrimos alguém apaixonado por poesia e fortemente influenciado por Carlos Drummond e Paulo Leminski. A nível musical afirma-se rendido ao talento de HONNE, The Whitest Boy Alive e Marcos Valle, entre outros. No entanto há muito mais para descobrir na entrevista que se segue...


Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Camões: Desde pequeno gostava de escrever poemas. Minha mãe viu um potencial musical naqueles versos e resolveu me colocar numa aula de violão. Aos 12 anos já tinha escrito a minha primeira canção após uma desilusão amorosa. Creio que a minha primeira paixão foi a composição, a criação, a possibilidade de expressar um sentimento pela arte. Depois veio a música como um meio para fazê-lo. 
Como gostas de descrever o teu estilo musical?
Geralmente resumo como MPB sintética. É MPB (Música Popular Brasileira), considerando os artistas com os quais me identifico. Entretanto, as minhas produções são repletas de sintetizadores e batidas eletrónicas que trazem essa textura contemporânea, plástica para o som. Por isso, MPB sintética.
Este ano preparas uma digressão com passagem por Portugal, o que esperas desses concertos?
Serão um ponto marcante na minha carreira. Já fiz muitos shows por aqui no circuito Rio-São Paulo, mas ainda não fiz concertos fora do país. Além disso, vou ter contato com a terra dos meus antepassados. A terra original do meu sobrenome e, agora, nome artístico. Estou ansioso para apresentar os novos timbres e arranjos que venho experimentando para o público português. O qual me parece muito receptivo! 
Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
A poesia. Como disse anteriormente, a música surgiu na minha vida como meio para apresentar os meus poemas, uma forma de apresentação para as ideias que escrevia. A música brasileira e a poesia sempre andaram de mãos dadas desde a bossa nova com compositores como Vinicius e Chico Buarque, passando pelos tropicalistas como Gil, Caetano e Tom Zé, até os mais contemporâneos como o Cazuza.
Entre os meus poetas favoritos estão Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade e Paulo Leminski.
Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
A maior vantagem é a liberdade. A maior desvantagem é a liberdade. Na verdade, não penso sobre isso porque não é como se eu tivesse escolha. Para a minha música, é o único caminho possível. Sendo assim, não paro para ponderar sobre as vantagens e desvantagens de estar percorrendo esse caminho, apenas sigo em frente.
Quais as tuas maiores influências musicais?
Dos nacionais:
Pelos acordes, pela linha melódica e a textura tropical, Marcos Valle, João Donato e Djavan. Pela proposta estética elegante e contemporânea com sintetizadores e batidas eletrónicas, Céu e Criolo.
Dos internacionais: 
Pelos timbres deliciosos, HONNE, Whitest Boy Alive e Tom Misch. Pela sonoridade 80’s e disco, Breakbot e Tuxedo. Esses últimos foram grandes influências para o meu novo single “Nova Aurora”.
Como preferes ouvir música? CD, Vinil, K-7, Streaming, leitor mp3?
Gosto de ouvir música em casa, deitado na cama, me dedicando somente a ouvir a composição, o arranjo, a produção, sem fazer mais nada. Também adoro ouvir música dirigindo. Os formatos que prefiro são streaming e mp3, preferencialmente em 320. Não pela qualidade, mas por ser o que está mais acessível. O formato não importa tanto para mim, o que importa é a fonte sonora, uma boa caixa de som ou um bom headphone.
O streaming está a “matar” ou a “salvar” a música?
A música está em constante crise. Tanto estilística quanto na forma de consumo. Não consigo fazer esse juízo de valor. Creio que é apenas diferente e inevitável esse caminho. Os artistas pop continuam ganhando muito dinheiro e os independentes muito pouco. A vantagem do meio virtual é que não tem a limitação do espaço físico. Sendo assim, artistas mainstream e super underground podem compartilhar da mesma plataforma. Isso gera uma facilidade para encontrar o material de artistas independentes. Entretanto, a visibilidade do artista mainstream sempre será maior, sendo pelos álbuns em destaques ou por meio de banners pagos… O streaming é bom por sintetizar tudo na mesma plataforma, é uma ótima experiência para o usuário, mas não consigo vê-lo como uma solução financeira para o artista de nicho. De qualquer forma, creio que o artista de nicho nunca pôde contar só com a verba da venda de fonogramas para se sustentar.
Qual o disco da tua vida?
Tenho alguns discos que me marcaram ao longo da vida.
Na adolescência - Arctic Monkeys - Whatever People Say I am, That's What I'm Not 
No ensino médio - Gilberto Gil - Refazenda
Início da faculdade -  Whitest Boy Alive - Rules 
No meio da faculdade - Jards Macalé - 1972, Mutantes - Tecnicolor 
Atualmente - Marcos Valle - Previsão do Tempo,  HONNE - Warm On A Cold Night
Qual o último disco que te deixou maravilhado?
HONNE - Warm On A Cold Night
O que andas a ouvir de momento/Qual a tua mais recente descoberta musical?
Eu estou muito envolvido com bandas atuais que buscam resgatar a estética dos anos 80, ainda mais se for Disco. Miami Horror acabaram de lançar um EP incrível em que eles mergulharam de cabeça nos 80. A minha música favorita é “Leila”. Outra canção deliciosa que descobri nessa onda foi “Cheap Shot” da banda GL.
Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Situação embaraçosa, nenhuma, mas trágica, várias. Já acabou a luz de casas em que ia tocar 4 vezes, literalmente. Uma vez numa casa em Ipanema que não tinha pago a conta de luz, duas vezes numa casa no centro do Rio por problemas elétricos e outra vez numa casa na Gávea por conta de um temporal.  Felizmente, nenhuma das vezes foi quando eu já estava no palco. Ultimamente tenho estado numa maré de sorte. Ufa!
Para quem gostarias de abrir um concerto?
Pela vanguarda estética e a beleza de cada canção, gostaria de abrir um show para o Marcos Valle. E se puder escolher mais um, gostaria de abrir para o duo inglês HONNE. Creio que sejam uma das bandas gringas com a proposta que mais se aproxima do meu show ao vivo. Sem falar na excelência na seleção de timbres dos synths e batidas eletrónicas.
Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Gostaria de compor/produzir com o Qinho, músico carioca que sinto estar na mesma página que eu nos anseios estéticos, ou, se for pra sonhar alto, com o próprio Marcos Valle.
Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Tem vários. Pra mim o que importa é tocar. Cada público tem a sua importância. Mas entre os palcos que acredito que seriam marcos na minha carreira, caso acontecesse de tocar neles, estão: SXSW, Lollapalooza Brasil, Palco Sunset Rock In Rio e, se não for querer demais, o Coachella. 
Qual o melhor concerto a que já assististe?
Ultimamente, o show do Criolo. Tem força. Tem momentos que emocionam, tem momentos que entretêm e momentos que fazem pensar. Por ser um show dinâmico, não cansa o público. Acho que esse é o maior desafio para um artista atualmente: fazer um show que mantenha o público conectado do início ao fim.
Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
João Gilberto. Já tive a oportunidade, mas desperdicei porque era muito novo e ainda não entendia o valor dele para a música brasileira. Hoje em dia, se ele surgir de novo disposto a fazer um concerto, não perco por nada nesse mundo. 
Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Qualquer apresentação dos primórdios da Bossa Nova no Beco das Garrafas em Copacabana. Lá tinha várias pequenas boates e barzinhos onde se apresentaram nomes como Nara Leão, Wilson Simonal, Johnny Alf, Leny Andrade e por aí...
Qual o teu guilty pleasure musical?
Para mim, não existe guilty pleasure. Se tenho prazer, é sem culpa (risos). Se for para falar alguém que as pessoas consideram um Pop vulgar: amo Ariana Grande, acho que ela é uma artista completa com canções incríveis. Do último álbum, "Greedy" é a faixa que mais gosto. E ouço sem culpa!
Projectos para o futuro?
Penso em me mudar para São Paulo. Hoje em dia, a cena de MPB está mais efervescente lá do que aqui no Rio. E claro, produzir, sempre, sem parar.
Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
Não tenho muito para falar. Sou só um cara que faz músicas sobre o que vivo e sobre os sentimentos da minha geração. Sendo assim, não existe nenhuma pergunta que eu faça questão de responder. Respondo às que vierem da maneira que puder (risos).
Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.

Ficamos agora ao som do segundo EP de Camões, Anilina, disponível para escuta e download gratuito, através da plataforma Bandcamp.

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